segunda-feira, 28 de maio de 2012

O DIA EM QUE O KREMLIN PAROU (M655 - 50PM/2012)




Se isto fosse um dos programas da National Geographic sobre o top ten de um qualquer tema, tipo “os 10 animais mais venenosos” ou os “10 sítios mais inóspitos da Terra”, mas aplicado aos episódios insólitos ou bizarros da Guerra Fria, este asseguraria sem dúvida o primeiro lugar destacado.
Que me perdoem eventualmente aqueles que têm mais memória, por se lembrarem de épocas em que eu ainda não era gente, mas dos 70s para a frente e do que conheço para trás, não me ocorre nada mais bizarro que descolar num pequeno avião monomotor a hélice, violar todo o espaço aéreo do Pacto de Varsóvia e aterrar bem no coração do império soviético: a Praça Vermelha bem na frente do Kremlin!
Precisamente a 28 de Maio de 1987, data sobre a qual se cumprem 25 anos, o mundo ficou mudo de espanto com a ousadia de Mathias Rust (que também se pode encarar como loucura), um jovem alemão de 19 anos que descolou de Helsínquia na Finlândia para só parar em Moscovo.
Alegou ser a sua iniciativa uma "tentativa de falar com o líder soviético Gorbachev, sobre  a paz mundial", mas valeu-lhe na verdade uma sentença de quatro anos de prisão.
A sua ação teve contudo consequências muito para além do ato em si e da sua punição: Gorbachev, perante a óbvia humilhação internacional, aproveitou para demitir várias chefias militares incómodas, o que muito lhe facilitaria as reformas em curso.
Mathias Rust, cumpriria apenas 14 meses na prisão de Lefortovo. De volta à Alemanha alegou objeção de consciência para não cumprir o serviço militar, pelo que cumpriu o tempo correspondente em serviço cívico num hospital. Apaixonou-se por uma enfermeira que apunhalou ao ser rejeitado. Cumpriu  de novo tempo na prisão por este incidente. De volta à liberdade teve vários outros problemas com a justiça por pequenos furtos, dívidas e burlas. Casou-se divorciou-se e voltou a casar-se. Criou uma organização de promoção à paz no mundo sem grande sucesso, uma empresa de investimentos na Estónia e foi jogador profissional de póquer.


As suas ações pouco dignas, depois do episódio marcante aos seus 19 anos que o levou a ser conhecido em todo o mundo, Mathias Rust justificou-as com a pressão a que fora submetido pelos média e os distúrbios emocionais que lhe causaram.
Visto à distância e voltando à teoria da loucura do ato comentada no início, parece tudo não ter sido mais do que um caso em que um acontecimento se tornou infinitamente maior do que quem o causou, ou as suas motivações. Que provavelmente pouco mais foram do que as de um adolescente a cometer um ato de loucura próprio da idade.
Ou então os heróis não são perfeitos como imaginávamos.

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