F-86 portugueses em Chateauroux Foto:Ralph Tompkins |
Base Aérea nº5, decorria o ano de 1965.
No prosseguimento do Programa de Treino dos pilotos, saí numa sexta-feira a comandar uma esquadrilha de quatro F-86s para Oldenburgo, uma Base da Força Aérea Alemã, a fim de retribuir uma visita efetuada a Monte Real, de pilotos daquela base.
Devido à distância, aterraríamos em Chateauroux (França) para reabastecimento de combustível e oxigénio, como era normal fazer-se.
De rotina, antes de se chegar ao destino, confirmávamos a meteorologia para se definir se prosseguiríamos com a rota prevista, ou se para outro aeródromo alternante, prevenindo problemas de combustível.
Havia um local apropriado para o fazer: à vertical de Bordéus. Porque aí tínhamos várias alternativas.
Voávamos com céu limpo e solo à vista. Confirmámos o tempo em Chateauroux: uma camada compacta de nuvens baixas com a base a 700 pés (200 e poucos metros) e topo a 2000 pés, vento calmo.
Decidimos prosseguir porque os qutro pilotos estavam todos credenciados com mínimos de aterragem para 300 pés, com assistência de GCA (Radar) e Chateaurox tinha-o.
Como voávamos a 37.000 pés (pouco mais de 12.000 metros) iniciámos a descida em rota para atingirmos a ajuda rádio a 20.000 pés, de acordo com as regras. Como a descida era em parelhas, ao atingir-se a vertical da ajuda rádio (radiofarol), a parelha asa iniciou o procedimento de descida e a minha parelha efetuou a “espera” standard de quatro minutos para permitir o espaçamento normal.
O Controlo da base informou-nos que à descida seguir-se-ia um “circuito caixa” porque aterraríamos na faixa oposta à da descida, com apoio de GCA. Tudo normal.
Quando a primeira parelha estava na “perna base”, antes de voltar para a aproximação final, muda de frequência para o GCA, afim de efetivar a descida final. Nesta fase, as comunicações em canal apropriado ficam em exclusivo para os aviões até à aterragem.
Sou surpreendido quando o piloto dessa parelha volta à frequência inicial e me pergunta se estamos a ouvir. Respondo que sim. Ele replica que não obtém resposta. Experimento e também não obtenho resposta. Digo-lhe para passar ao canal de emergência (243.0).
Poucos segundos depois, volta a informar que não obtém resposta e decide – como já está apontado à pista - prosseguir a descida tentando sair das nuvens com possibilidades de aterrar. Assim fez mas, ao entrar em visual, a pista estava um pouco ao lado, não permitindo a aterragem. Tiveram de efetuar uma volta junto ao solo mas aterraram.
Continuava o silêncio rádio.
Impensável! Uma Base da USAF ficar sem comunicações. O próprio Radar tem sempre acoplado um sistema de gerador para as emergências.
Nada funcionava.
Já a situação da minha parelha ficava bastante insustentável: pouco combustível, dentro de nuvens e a voar em sentido contrário à descida “normal” para aterragem com o radio-ajuda.
Rodei cerca de 180º e apontando ao radio-farol fui descendo lentamente, pretendendo descer até ver o chão. Assim fizemos, saindo um pouco acima das árvores. Continuámos até passar sobre a antena do rádio-farol, onde tivemos de efetuar mais uma inversão de marcha para podermos apontar à pista (nesta volta foram gastos mais de três minutos).
O problema número um era então o combustível. Voávamos com o avião o mais “limpo” possível e a baixa velocidade, mesmo contrariando as instruções: redes abertas e freios fechados.
A ajuda rádio ficava a cerca de 7 Km da pista. Aí como estávamos a correr o risco de paragem do motor por falta de combustível disse ao meu “asa”: em caso de flame-out (paragem do motor), fazer o zoom-up (levantar o nariz para subir um pouco) e saltar de paraquedas.
A meio caminho entre o rádio-farol e a pista, oiço: Blue Falcon do hear me? Alívio: Affirmative. Comunicação seguinte: heading … e climb to… Minha resposta: heading … but dont climb – fuel emergency. Peço aproximação direta. “Roger” e continuaram a dar-nos pequenas correções até ao aeródromo. Só iniciámos a descida do trem à vista da pista e os flaps, redes e freios já foi no solo.
No estacionamento, verificámos que o meu asa tinha menos de 100 litros de combustível e eu um pouco mais. Não dava para dar uma volta ao aeródromo. Foi “in extremis”.
Os outros dois pilotos já aterrados, esperavam-nos ansiosamente. Foram cerca de 20 minutos de espera angustiante.
À nossa espera tínhamos também patentes elevadas, apresentando desculpas pelo sucedido. Situação verdadeiramente inaceitável para a base mais importante da USAF em França. Houve uma falha total de energia do fornecedor exterior mas, não podia ter acontecido o falhanço dos sistemas de emergência preparados para entrar em funcionamento em dois minutos no máximo.
Se seguíssemos as regras, teríamos os quatro pilotos, saltado de pára-quedas. Mas se nós portugueses temos o defeito de quebrar algumas regras, temos também uma virtude: não desistir e tentar.
Após este episódio, resolvemos continuar a missão até Oldenburgo. Não valia a pena ficarmos a comentar o sucedido.
No sábado de manhã já com combustível e oxigénio, arrancámos para o destino.
À chegada, tínhamos à nossa espera um “comité de receção” que nos levou diretamente para o balcão do bar e aí, com o estômago vazio, sai cerveja com scnhaps. Foi o fim. Passámos o resto do dia a vomitar e a curar uma “piela” em que não estávamos interessados. O domingo foi para tentar recuperar…
Segunda de manhã, arrancámos para Chateauroux novamente. Ao entrar no espaço aéreo francês o controlo dá-nos as boas vindas e presta-se a levar-nos quase “ao colo” até ao destino. Não foi necessário seguir os procedimentos normais. Isto significa que a situação ocorrida foi muito anormal e que toda agente se "desfazia" perante a nossa presença.
Novamente em Chateauroux, reabastecemos e fomos tratados "nas palminhas".
Soubemos que tinha sido destituído o comandante da Base. Foi uma ocorrência extremamente grave.
Simplesmente, não poderia acontecer.
Texto: Cap (Ref) Fernando Moutinho
4 Comentários:
Não perco uma!!
Certamente seria um dia muito bem passado, a escutar estas maravilhosas "histórias".
Abraço
Marco Casaleiro
Claro que já a conhecia, mas é sempre agradável reler. Por esta altura, eu estava na BA5 a tratar dos Sidwinder. Que Saudades...
Um abraço meu Comandante.
É verdade Marco e Fidalgo, é um prazer ler as histórias do Cap Moutinho, a quem não me canso (nos cansamos) de agradecer por partilhar com o mundo.
Parabéns a todos os que proporcionaram a estas soberbas histórias verem "a luz do dia" à cerca do nosso "Best One", o nosso saudoso F-86. Obrigado Rui Bruno
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