Recentemente as forças armadas dos
Estados Unidos e da Coreia do Sul desenvolveram um exercício conjunto no
território deste última país, a Operação Key Resolve, para gáudio do governo da
Coreia do Norte. De um modo previsível, o agressivo executivo de Kim Jong-un,
respondeu declarando que iria responder a qualquer provocação e que as acções
dos seus inimigos seria justificações mais que suficientes para o recomeço do
conflito terminado em 1953 e para o qual nunca houve uma declaração de paz
formal. A passagem de bombardeiros pesados B-52 e B-2 pela região terá apenas
espicaçado ainda mais os norte-coreanos.
Bombardeiro B-2 Foto: USAF |
Os motivos por detrás das ameaças
para com a Coreia do Sul e seus aliados são diversos. A Coreia do Norte é o
regime mais fechado do mundo, possuidor do maior exército em comparação com o
tamanho da população em existência. É também uma potência nuclear, embora a
quantidade de ogivas atómicas disponíveis não seja elevado, tanto quanto se
saiba. No entanto o modo como o país é governado e gerido cria uma situação
incrivelmente delicada dentro do mesmo.
A fome é generalizada e as sanções
colocadas sobre esta nação apenas acentuam a situação. Basicamente o regime de
Pyongyang troca ameaças por comida e ajuda humanitária e já o faz há décadas. Há
quem suspeite de lutas de poder amargas entre as chefias, com diversos generais
a tentarem cair nas boas graças do líder ou a tentar sobrepujá-lo de todo. Em
associação a tudo isso existe a noção de que o governo estaria, aos poucos a
perder o controlo dracónico que tem sobre a população, à medida que a mesma
começa a viver em condições cada vez mais desesperantes.
O líder norte-coreano Kim Jong-un Foto: Agência Reuters |
A somar a estes factores existe a
República Popular da China (RPC). Este é único verdadeiro aliado que resta à
Coreia do Norte, e tudo indica que usa Pyongyang como uma maneira de fazer
pressão sobre os vizinhos e, através deles, os Estados Unidos. No entanto o
modo cada vez mais errático como Pyongyang reage a provocações e gera as suas,
inclusive a abdicação dos tratados existentes após a Key Resolve, parece
começar a cansar os chineses. Se o comportamento norte-coreano é ou não parte
de um plano maior da RPC para a região é algo que está para se ver. No entanto
Kim Jong-un declarou que atacaria se se visse ameaçado e que “esmagaria” a
oposição.
Façamos um pequeno exercício e
imaginemos que perante todas estas situações a Coreia do Norte realmente
entrava em guerra com a Coreia do Sul e seus aliados. Numa prespectiva
puramente voltada para as forças aéreas, qual seria a performance esperada das
tropas de Pyongyang?
Uma força aérea da Guerra Fria
Não vale a pena estar com ilusões,
e por isso vou dar já uma resposta rápida: num confronto directo contra
sul-coreanos, japoneses ou norte-americanos os pilotos norte-coreanos não
teriam a menor hipótese. Façamos uma análise simples dos caças mais comuns
entre a Força Aérea Popular da Coreia (FAPC) e seus adversários para confirmar
isto.
A FAPC tem ao seus dispor aeronaves
de combate que remontam aos tempos da Guerra Fira. E, em toda a honestidade,
quase serve como um exemplo de como a indústria aeronáutica soviética evoluiu
desde o fim da Guerra da Coreia. Os modelos mais comuns são o MiG-19 (na versão
chinesa J-6) e o MiG-21, ambos aeronaves dos anos 50 com capacidades
severamente limitadas quando comparadas com alguns dos modelos mais
“regulamentares” existentes em diversas forças aéreas a nível mundial.
MiG-21 norte-coreano Foto: Agência Reuters |
Os MiG-19 nem sequer possuem
sistema de alerta radar pelo que seriam sumariamente eliminados sem sequer
saberem que estavam a ser atacados. Os MiG-21 já são de modelo antigo, também.
Apesar de se ponderar que existam mais de cem aeronaves de cada modelo em
serviço, não se pode ter a certeza de quantas estarão em condições de combate.
Tendo em conta as sanções e mesmo com o apoio chinês, as suas condições não
serão extraordinárias.
Os aviões de combate mais
sofisticados são o MiG-29B e o Su-25, pouco mais de 30 de cada modelo.
Novamente, são aeronaves com capacidades limitadas, neste caso mesmo quando
comparadas com outras dos mesmos modelos-base em serviço pelo mundo fora.
Evidentemente que não deverão, nem poderão, ser subestimados, pois são operados
pelas esquadras de elite da FAPC, mas a conclusão geral permanece válida.
Agora, comparemos estes caças com
os mais comuns utilizados pelas forças aéreas que enfrentariam num conflito.
Entre sul-coreanos e japoneses, os caças mais comuns são da família Boeing F-15
Eagle. Grandes bimotores capazes de
elevadas velocidades e carga bélica, são também ágeis e possuem electrónica
sofisticadíssima. Apesar de o projecto deste avião remontar aos anos 70, os que
servem nestas nações asiáticas estão entre os mais avançados do mundo. Os F-15J
japoneses estão ao nível dos F-15C americanos e foram actualizados
recentemente. Os F-15K sul-coreanos, os Slam
Eagle, são da categoria do avião de ataque F-15E americano e fenomenalmente
capazes também.
Se nos voltarmos para os americanos
podemos ainda contar com os F/A-18 da Marinha, sobretudo dos modelos E e F Super Hornet. Das bases japonesas onde
há presença americana podem ainda descolar os furtivos F-22 Raptor. Estes caças de quinta geração
têm enfrentado problemas operacionais mas, mesmo assim, os seus sistemas de
armas não teriam dificuldades em lidar com as ultrapassadas aeronaves
norte-coreanas.
Dentro destes factos, como poderia a Coreia do Norte sequer conseguir ameaçar os seus adversários?
Dentro destes factos, como poderia a Coreia do Norte sequer conseguir ameaçar os seus adversários?
Táctica
e estratégia
A melhor hipótese que os
norte-coreanos teriam de contrariar a esmagadora superioridade inimiga, seria
recorrerem a tácticas de emboscada. Isto significa atrair as aeronaves
opositoras para áreas onde fogo antiaéreo e números superiores de caças
poderiam sobrepujar as aeronaves mais avançadas e talvez abater umas quantas.
Novamente seria uma questão
complicada, pois certamente que os sistemas avançados de comando e controlo dos
americanos e seus aliados iriam contrariar estas tácticas. Mais ainda, o uso de
armas stand-off também ajudaria a manter os caças mais sofisticados longe das
zonas mais perigosas durante a maior parte do tempo. Mesmo que fossem forçados
a aproximarem-se mais, não creio que as baixas fossem capazes de negar o seu
uso.
Já a FAPC seria terrivelmente
atingida nos primeiros dias de confronto e acredito que no final da primeira
semana já não existiria como força de combate.
Resta, no entanto, uma
possibilidade a Pyongyang: atrair a RPC para as acções.
A Força Aérea de Libertação Popular
da China (FALPC) é muito maior e muito mais bem equipada do que a FAPC. Estando
a sofrer neste momento uma reformulação generalizada para se colocar ao nível
dos seus rivais ocidentais, a FALPC tem ao seu dispor modelos muito mais
capazes, como o J-10 de desenvolvimento local e o J-11 (cópia local do Su-27
russo). Apesar de não estarem ao nível dos caças que iriam enfrentar, são no
entanto ameaças muitos mais realistas do que as aeronaves norte-coreanas e disponíveis
em números muito maiores.
J-10 chinês Foto: Flight Global |
No entanto é duvidoso que a RPC
quisesse entrar num confronto dessa magnitude neste momento. Se entrariam num
confronto limitado com o Japão pelas ilhas de Seikaku é uma questão, mas
entrarem num conflito total por Pyongyang não parece plausível.
Em conclusão, a Força Aérea
norte-coreana representa bem as forças armadas desse país: numerosas mas
desesperantemente desactualizadas. Apesar de certas situações poderem arrastar
o executivo de Kim Jong-un para um conflito, a sua maior e mais ameaçadora arma
é a bomba atómica.
Se a usar, no entanto, ficará
totalmente isolado, e mesmo a China não poderá aceitar tal realidade, e
afastar-se-ia, ou seria ela mesma arrastada para uma situação política
inaceitável. Face a esta realidade as tropas norte-coreanas seriam arrasadas,
em tempo.
Acima de tudo a política externa de
Pyongyang sempre foi uma de suposta agressividade e muito ladrar para pouco
morder. Nada indica que as recentes acções sejam diferentes. Se o forem, no
entanto, e levarem ao confronto armado, então é pouco provável que o esforço
militar norte-coreano dure muito tempo.
Mapa: Cortesia Galcom |