sábado, 16 de março de 2013

UMA EMERGÊNCIA A SÉRIO (M914 - 77PM/2013)

F-86F à entrada do pólo de Alverca do Museu do Ar

Acabada a comissão (6 anos) em Angola, fui colocado nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (vulgo OGMA), e aí prestei serviço na Secção "Voos de Experiência".
Ao todo éramos três pilotos: Eu, o Arada e Arrojado. Voávamos em tudo mas, como se compreenderá, tínhamos especialidades.
Por exemplo: para mim F-86, G-91, DO-27, Broussard, Chipmunk, C-45, Noratlas etc.
O Arada era especialista em ALL III, T-37, T-33 e T-6.
O Arrojado C-47, Noratlas.
Os nossos voos de experiência serviam para verificar a operacionalidade do trabalho das Oficinas.
Claro que havia cuidados especiais. Para isso é que lá estavam pilotos já com longa experiência.
Sustos? Felizmente, as várias anomalias que tivemos não foram graves.
Exceto uma vez que, por coincidência, nada teve a ver com o trabalho direto das OGMA.
Já tinha pensado em relatá-la mas, atendendo ao caso concreto, só é facilmente compreendida por alguém da “arte”, isto é, piloto de monojato. Para os curiosos é complicado explicar o alcance da situação.
O que relato, foi a situação mais grave com que me deparei, por “falha de material”.
No final de um voo de experiência a um F-86, constava do procedimento uma manobra de tocar e andar, ou seja, aterra-se normalmente e pouco depois de tocar com as rodas na pista mete-se motor e descola-se novamente.
Daquela vez, após a aterragem e depois de rolar algumas centenas de metros, remeti o motor para recomeçar a descolagem. Ao iniciar a saída do solo com o nariz no ar, ouvi um ruído, grandes e fortes vibrações no motor, seguido da luz de sobreaquecimento, e dois ou três segundos depois - a luz de incêndio.
Situação: avião a  baixa velocidade, posição cabrada, flaps e trem em baixo, água à frente e por baixo de mim, altitude abaixo da mínima (100 pés ≈ 33 metros) para saltar de paraquedas - que era a manobra indicada para a situação.
Solução: frieza e seguir o único caminho possível, reduzindo o motor para o mínimo possível atendendo à atitude de voo, subir o trem e os flaps, fazer volta de inversão e tentar aterrar.
Lentamente iniciei a volta, com a preocupação de tentar chegar à pista, o mais corretamente possível.
Entretanto, reduzia o motor de acordo com a velocidade, para não entrar em perda, até 90 % rpm mas a luz de incêndio não se apagou. 

Manobra chamada volta de inversão a 90º. Normalmente, esta manobra, volta de 90º para um lado e inverter 270º pelo lado oposto, demora 3 minutos.

Acabei a volta de aproximação praticamente no início da pista e só então é que acionei o trem para baixo. Sabia que não tinha espaço para que bloqueasse totalmente.
Teria de aterrar só com o trem principal. Assim fiz e após tocar o solo, aguentei o nariz no ar até que tive indicação de total bloqueamento (no F-86 o trem principal bloqueava em três segundos e a roda do nariz de cinco a seis segundos).
A seguir, parar o motor, travar, desligar parte elétrica e abandonar o avião. O fogo tinha-se apagado mas, havia um buraco na fuselagem.
Causa: uma ou mais palhetas da turbina tinham “voado” e danificado outras.
Em altitude, não seria grave por permitir reduzir o motor, diminuir as vibrações evitando danos maiores e, se necessário, o salto de paraquedas poderia ser efetuado com maior segurança. Mas naquelas circunstâncias, as soluções … eram escassas.
Uma consideração: Tive duas ou três situações daquelas que não esquecem. Felizmente pertenço ao grupo daqueles que enfrentam essas situações como se nada fosse com ele. O nervoso miudinho, só no chão. Aí podem tremer as pernas, etc, mas o pior já passou.


Texto: Cap. (Ref) Fernando Moutinho



2 Comentários:

Fabrício Marcelino disse...

Trata-se de um dos melhores pilotos que passaram pela Força Aérea.Pilotou praticamente todos os tipos de aviões da altura.Tive o prazer de estar com este meu amigo na Base Aérea 5,Monte Real. Como homem é um grande ser humano.Um abraço-Fabrício Marcelino

Mário Sérgio Felizardo disse...

tal como o Fabrício, também me cruzei com o Cap. Moutinho em M. Real, mas creio que em datas diferentes. Como mecananico de armamento, passei pouco tempo na Linha da Frente já que fui integrado na 1» equipa de inspecção aos misseis Sidwinder, e com isso desterrado lá pa o meio da mata, onde se localisavam os novos paiois.
mas claro que o Moutinho até pela sua figura imponente dava nas vistas e claro que o recordo e com muita saudade.
Um abraço para ele e para todos vós.

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