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Hawker Hurricane Mk.2C na Granja do Marquês Foto:AHFA |
Quando fui para a Base Aérea 1, frequentar o Curso de Pilotagem, fomos recebidos com uma praxe. Todos os alunos (na altura só havia três especialidades: pilotos, radiotelegrafistas e mecânicos). Fomos colocados em duas camaratas. Uma com alunos pilotos e radiotelegrafistas e outra para os alunos mecânicos.
Ora na segunda noite, cerca das 10 (estávamos todos deitados cumprindo o recolher) somos surpreendidos por um grupo de quatro pessoas devidamente equipadas de “bata branca”, que nos fazem levantar, apresentando-se como dos Serviços de Saúde da Base, vindo fazer uma inspeção às comidas caseiras dos neófitos. Havia que prevenir doenças e infeções!
Mandaram abrir as malas de madeira guardadas debaixo das camas, com as nossas coisas. Retiraram todas as guloseimas vindas da “terrinha” e levaram-nas para analisar.
Soubemos depois que a segunda camarata recebeu o mesmo tratamento, e também soubemos que as “análises” aos petiscos foram feitas diretamente nos estômagos dos inspecionadores… Bom proveito!!!
Mais tarde, já no ano seguinte e noutras instalações, recebo uma encomenda via CTT de um Bolo de Aniversário. Nesse dia contudo, devido a voos, cheguei mais tarde. Ao entrar no compartimento, vejo um papel de embrulho em lugar da encomenda que deveria estar em cima da minha cama e um papel em que alguém escreveu “Estava bom. Manda vir mais”...
Não deixaram a mínima amostra. Tenho a impressão que nem migalhas!
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Junto aos novos alojamentos já no fim do curso com o equipamento para o Hurricane. Da esquerda para a direita: Eu, Vasquez e Graça Faria. |
Durante a minha atividade na Força Aérea, consegui manter um nível de prontidão, sob o ponto de vista físico, que quase diria, invejável.
Contudo, nem sempre assim foi. Logo nos primeiros tempos, durante o meu Curso de Pilotagem, apanhei um grande aperto. Faltava um mês para o fim do Curso, quando fui atacado por uma apendicite aguda. O médico da Base mandou passar-me uma Guia de Marcha para me apresentar no Hospital da Estrela, para ser operado. Assim, nesse dia, utilizando o Autocarro da Base lá fui a caminho de Lisboa. Nessa época não havia os “mimos” de hoje – ambulância?! INEM?!
Apresentei-me no Hospital e colocaram-me num quarto, com mais cerca de 20 camaradas (para não me sentir desacompanhado...)
Fui visto pelo médico, que durante cerca de dois dias tentou baixar-me a febre antes de me operar. Não conseguiu. Foi obrigado a operar-me em estado bastante febril. A tal ponto, que pós-operação, fiquei a delirar durante três dias, sem dar acordo do que se passava. Foi aqui que o meu colega do lado direito me amparou e acorria quando necessário. Não me esqueço e para sempre lhe fiquei grato, pois apesar de ter as pernas cortadas junto aos joelhos, me foi
de grande ajuda.
Ao fim dos três dias acordei e até me sentia bem, mas enfraquecido. Ouvi o relato dos acontecimentos desse “companheirão” da cama ao lado.
Evoluí satisfatoriamente, a ponto do médico pretender dar-me alta cinco dias depois de operado, e ainda antes do fim de semana. Aí perguntou-me quantos dias de baixa precisava. Disse-lhe que como estava no fim do curso (menos de um mês) não o queria perder – seria o desabar das minhas aspirações!
Acabou por dar-me alta, mas recomendou-me que, na Base, o médico fizesse o que fosse aconselhável.
Na Base o médico ficou aflito, por não poder alterar as indicações do Hospital: “apto para o serviço”. Falou com o Diretor do Curso, que resolveu poupar-me três dias, mas assistindo às aulas teóricas. Dez dias depois de ser operado, já estava aos comandos dum Hurricane.
Descolei com medo, porque não poderia fazer força com a perna direita, para não reabrir a costura. Correu tudo bem.
O Curso acabaria outros dez dias mais tarde e fui brevetado com muita honra.
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Brevet original |
Cap (Ref) Fernando Moutinho