Nord Aviation N-2502 Noratlas Foto:Autor desconhecido |
Em Tancos, 1976, sou nomeado para efetuar uma missão com o percurso no título indicado.
Não me recordo qual a razão da passagem pelos Açores, mas a ida à Madeira era destinada ao transporte de um motor de um Nord acidentado.
O avião, n/c 6405, era o modelo 2502, com reatores. A missão decorreu em Janeiro, época não muito propícia sob ponto de vista da meteorologia.
O percurso Lisboa/Lajes demorou 6:15 horas – um pouco mais do que o calculado.
Sucede que na viagem, apánhamos uma frente quente que, para além de nos fazer voar dentro de nuvens, nos surpreende com formação de gelo - o que para nós era inédito. Ao longo de vários anos, nunca tal tinha sucedido.
Ora o nosso avião, para além do aquecimento do tubo de pitot (para o indicador de velocidade), não estava equipado para voar nessas condições. Para além de um boicote nas comunicações devido à acumulação de gelo nas antenas, a velocidade começou a diminuir devido ao aumento de resistência ao voo, provocada pelo gelo acumulado no bordo de ataque das asas. Os meus conhecimentos teóricos tiveram de ser aplicados – baixar para um nível que desagregasse o gelo incrustado no bordo de ataque, para permitir um voo quase normal. Descemos, e só aos 3000 pés (aprox. 1000m) é que conseguimos ficar livres do gelo, voar normalmente e readquirir comunicações. Informámos o Controlo Aéreo da nossa situação, do atraso que estávamos a ter e da razão da falha de comunicações.
Voámos mais algum tempo a essa altitude e, mal pudemos, voltamos ao nível inicial, concluindo a viagem ainda assim, com mais de 45 minutos de atraso.
No dia seguinte, de manhã pusemo-nos a caminho do Funchal. Nunca lá tinha ido.
Voávamos sobre uma camada pouco espessa de nuvens, mas que nos escondia o Oceano. Assim, a primeira visão da Madeira foi inesquecível – avistava-se, sobressaindo das nuvens, o pico mais alto da ilha com uma bela camada de neve.
Belíssimo espetáculo.
No Funchal, limitámo-nos a carregar o avião e alguns passageiros, e sair para Lisboa. O tempo não estava bom. Sabíamos que em rota e aproximando-se do destino, uma frente tropical nos apareceria. Felizmente esse tipo de tempo fazia parte da nossa experiência anterior. Mas, o excesso de confiança podia ter sido perigoso.
A dita frente tornou-se uma “linha de borrasca” violenta que nos dificultou o acesso à pista.
Fizemos a entrada pela rádio-ajuda de Arruda e ao começarmos a descida entrámos em nuvens tipo cumuliformes, devidamente associada a turbulência bastante forte. Com o ILS ligado iniciámos a descida standard a 300 pés/min. mas, recebendo indicações que estava abaixo da ladeira, atenuei a descida para correção. A indicação contudo, piorava, indicando estando cada vez mais baixo. Só podia haver avaria no ILS. Desliguei-o mas já estava demasiado alto e perto da pista para efetuar a aterragem. Chovia desalmadamente, o avião era sacudido por todo o lado, levando-me a “borregar” e a fazer novo procedimento de aproximação. Voltei ao radio-farol da Arruda e iniciei uma descida normal sem ILS. Continuava um tempo horroroso. Quando cheguei à entrada da pista, a Torre indicou-me para “abortar” a aterragem devido ao excesso de água na pista e à fortíssima bátega que caía, informando-nos que havia inundações em Lisboa. Solicitei aterragem à minha responsabilidade. Foi-me dada permissão. Fiz uma aterragem muito cuidadosa para evitar a aquaplanagem.
Mesmo tendo em conta o mau tempo, esta missão não correu muito bem por duas razões essenciais:
- o meu excesso de confiança
- falha da Manutenção
Excesso de confiança, que a longa experiência me proporcionou mas, devemos sempre respeitar os vários condicionalismos.
Quanto à falha da Manutenção, deve-se a não estar devidamente escriturado na Parte II do Livro do avião, a falha do ILS que estava remetida para a parte III. Na Parte II anotavam-se as anomalias que não fazendo perigar o voo, era necessário que a tripulação dela tivesse conhecimento – era obrigatório o piloto assinar, a tomar conhecimento dessas anomalias. Na Parte III registavam-se as anomalias que podiam ser corrigidas nas inspeções.
O caricato da questão era que o defeito no ILS (o From estava trocado pelo To) já existia desde Setembro de 1973. Estava nas OGMA nos Voos de Experiência, quando o 6405 sai para provas. Nos voos de experiência deteto a avaria, assinalei-a e após vários voos aparece a tripulação vinda de Moçambique para levar o avião. Dei-lhes conhecimento da anomalia e aceitaram levar o avião assim porque na viagem e em Moçambique não havia ILS – não precisavam desse instrumento. Mas, a anomalia deveria ter ficado registada na Parte II o que não sucedeu.
Se estivesse assinalada no Livro, bastaria alterar o interruptor To/From para ter as indicações corretas e teria efetuado a aterragem na primeira aproximação sem problemas.
Parece uma coisa muito simples mas que se complicou demasiado.
Sempre a aprender.
Não me recordo qual a razão da passagem pelos Açores, mas a ida à Madeira era destinada ao transporte de um motor de um Nord acidentado.
O avião, n/c 6405, era o modelo 2502, com reatores. A missão decorreu em Janeiro, época não muito propícia sob ponto de vista da meteorologia.
O percurso Lisboa/Lajes demorou 6:15 horas – um pouco mais do que o calculado.
Sucede que na viagem, apánhamos uma frente quente que, para além de nos fazer voar dentro de nuvens, nos surpreende com formação de gelo - o que para nós era inédito. Ao longo de vários anos, nunca tal tinha sucedido.
Ora o nosso avião, para além do aquecimento do tubo de pitot (para o indicador de velocidade), não estava equipado para voar nessas condições. Para além de um boicote nas comunicações devido à acumulação de gelo nas antenas, a velocidade começou a diminuir devido ao aumento de resistência ao voo, provocada pelo gelo acumulado no bordo de ataque das asas. Os meus conhecimentos teóricos tiveram de ser aplicados – baixar para um nível que desagregasse o gelo incrustado no bordo de ataque, para permitir um voo quase normal. Descemos, e só aos 3000 pés (aprox. 1000m) é que conseguimos ficar livres do gelo, voar normalmente e readquirir comunicações. Informámos o Controlo Aéreo da nossa situação, do atraso que estávamos a ter e da razão da falha de comunicações.
Voámos mais algum tempo a essa altitude e, mal pudemos, voltamos ao nível inicial, concluindo a viagem ainda assim, com mais de 45 minutos de atraso.
No dia seguinte, de manhã pusemo-nos a caminho do Funchal. Nunca lá tinha ido.
Voávamos sobre uma camada pouco espessa de nuvens, mas que nos escondia o Oceano. Assim, a primeira visão da Madeira foi inesquecível – avistava-se, sobressaindo das nuvens, o pico mais alto da ilha com uma bela camada de neve.
Belíssimo espetáculo.
No Funchal, limitámo-nos a carregar o avião e alguns passageiros, e sair para Lisboa. O tempo não estava bom. Sabíamos que em rota e aproximando-se do destino, uma frente tropical nos apareceria. Felizmente esse tipo de tempo fazia parte da nossa experiência anterior. Mas, o excesso de confiança podia ter sido perigoso.
A dita frente tornou-se uma “linha de borrasca” violenta que nos dificultou o acesso à pista.
Fizemos a entrada pela rádio-ajuda de Arruda e ao começarmos a descida entrámos em nuvens tipo cumuliformes, devidamente associada a turbulência bastante forte. Com o ILS ligado iniciámos a descida standard a 300 pés/min. mas, recebendo indicações que estava abaixo da ladeira, atenuei a descida para correção. A indicação contudo, piorava, indicando estando cada vez mais baixo. Só podia haver avaria no ILS. Desliguei-o mas já estava demasiado alto e perto da pista para efetuar a aterragem. Chovia desalmadamente, o avião era sacudido por todo o lado, levando-me a “borregar” e a fazer novo procedimento de aproximação. Voltei ao radio-farol da Arruda e iniciei uma descida normal sem ILS. Continuava um tempo horroroso. Quando cheguei à entrada da pista, a Torre indicou-me para “abortar” a aterragem devido ao excesso de água na pista e à fortíssima bátega que caía, informando-nos que havia inundações em Lisboa. Solicitei aterragem à minha responsabilidade. Foi-me dada permissão. Fiz uma aterragem muito cuidadosa para evitar a aquaplanagem.
Mesmo tendo em conta o mau tempo, esta missão não correu muito bem por duas razões essenciais:
- o meu excesso de confiança
- falha da Manutenção
Excesso de confiança, que a longa experiência me proporcionou mas, devemos sempre respeitar os vários condicionalismos.
Quanto à falha da Manutenção, deve-se a não estar devidamente escriturado na Parte II do Livro do avião, a falha do ILS que estava remetida para a parte III. Na Parte II anotavam-se as anomalias que não fazendo perigar o voo, era necessário que a tripulação dela tivesse conhecimento – era obrigatório o piloto assinar, a tomar conhecimento dessas anomalias. Na Parte III registavam-se as anomalias que podiam ser corrigidas nas inspeções.
O caricato da questão era que o defeito no ILS (o From estava trocado pelo To) já existia desde Setembro de 1973. Estava nas OGMA nos Voos de Experiência, quando o 6405 sai para provas. Nos voos de experiência deteto a avaria, assinalei-a e após vários voos aparece a tripulação vinda de Moçambique para levar o avião. Dei-lhes conhecimento da anomalia e aceitaram levar o avião assim porque na viagem e em Moçambique não havia ILS – não precisavam desse instrumento. Mas, a anomalia deveria ter ficado registada na Parte II o que não sucedeu.
Se estivesse assinalada no Livro, bastaria alterar o interruptor To/From para ter as indicações corretas e teria efetuado a aterragem na primeira aproximação sem problemas.
Parece uma coisa muito simples mas que se complicou demasiado.
Sempre a aprender.
Texto: Cap. (Ref) Fernando Moutinho
1 Comentários:
Eu concordo. bom post, foi muito interessante ler, obrigado pelo seu trabalho
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