North American F-86F Sabre Foto: AHFA |
Algumas condições um pouco especiais levaram a uma situação muito difícil. Antes de relatar o caso em concreto, gostaria de chamar a atenção para as complicações que podem resultar para o sistema auditivo do pessoal navegante, a partir duma simples constipação.
O sistema auditivo está ligado à garganta pela “Trompa de Eustáquio” ou seja, um canal que permite o equilíbrio da pressão atmosférica, dentro do ouvido. Sempre que há variação de pressão atmosférica, sentimos, em especial a descer, um ensurdecimento ligeiro, que desaparece utilizando a chamada “Manobra de Valsalva”.
Quem nunca experimentou, num automóvel, numa descida acentuada, essa leve pressão e ligeira surdez nos ouvidos? Para a resolver basta, normalmente, engolir em seco.
Num avião este fenómeno acentua-se como se compreenderá. A Trompa de Eustáquio tem uma forma que facilita a saída do ar para restabelecer a pressão atmosférica no interior do ouvido, mas é mais difícil a entrada para restabelecer esse mesmo equilíbrio se, a Trompa estiver afetada por infeção na garganta, como por exemplo, uma simples constipação.
Nos aviões comerciais a pressão na cabina é normalmente equivalente a 2000 a 3000 metros, de onde se compreende que o problema é menos grave mas, nos aviões militares do meu tempo, naqueles que tinham sistemas de pressurização, a altitudes de cruzeiro elevadas (10.000 a 13.000 metros) a altitude de cabine rondaria os 7000 metros, com variações, é claro. Isto em voos normais. Mas o que pode suceder com falha na pressurização? Muito simplesmente, sem problemas se a garganta estiver normal mas, complicadíssimo, em caso de afeção.
Eis o que se passou comigo.
Numa esquadrilha de quatro F-86, saímos de Monte Real para uma viagem de treino para o estrangeiro. Até aí tudo bem.
Eis o que se passou comigo.
Numa esquadrilha de quatro F-86, saímos de Monte Real para uma viagem de treino para o estrangeiro. Até aí tudo bem.
Mas, aquando do regresso, já em Chateauroux, senti-me constipado e fomos – eu e o Comandante da Esquadrilha – ao médico para as devidas medidas. Analisou-me e deu-me umas gotas para utilizar. Fiquei com medo de regressar, porque sabia que seria complicado. Mas, perante a não proibição do médico, teria que realizar o regresso. Descolámos com rumo a Monte Real.
A subir, como expliquei antes, nada de especial se passou, mas de acordo com um ditado popular – um mal nunca vem só - tive uma avaria no alternador, que como o nome indica, me retirou a energia alterna.
Consequências diretas: fiquei sem radiocomunicações (comunicávamos por sinais), fiquei sem controlo automático de aquecimento e... sem pressurização!
Sem pressurização e a voar 12.000 metros. Fiquei preocupadíssimo. O tempo estava bastante nublado e até tempestuoso. Voávamos dentro de nuvens. Já perto de Monte Real iniciámos a descida. Nos primeiros metros ainda restabeleci o equilíbrio auditivo, mas depois as coisas complicaram-se. Comecei a ter perturbações e deformações de visão. Como voávamos em formação cerrada, dentro de nuvens, teria de manter a posição a todo o custo, porque ainda tinha outro avião a meu lado. Ao aproximarmo-nos dos 4000 metros (já não é necessário oxigénio), em desespero, arranco a máscara e pressionando as narinas, faço a dita Manobra de Valsalva, que resultou, com os ouvidos a restabelecerem a pressão.
Foi um alívio extraordinário mas momentâneo, pois continuávamos a descer. Não mais consegui restabelecer a pressão no canal auditivo. Mesmo com mau tempo, consegui aterrar, mas vinha num estado lastimoso. No estacionamento, após parar o avião, ainda consegui descer as escadas, mas no solo, encostei-me ao avião e desmaiei. Por pouco tempo, mas fui-me "abaixo das canetas". Estava em estado de choque.
Enfermaria, médico e outra Valsalva na enfermaria, que atenuou um pouco a minha situação. De seguida Hospital da Estrela, seguindo-se mais um mês, até recuperar a normalidade.
Foi um dos meus piores pesadelos. Volto a repetir: só foi difícil, por estar constipado, porque como conto noutro local, já voei durante algum tempo a 14.000 metros sem pressurização, com um rombo na cabine e desci sem problemas, uma vez que estava bem de saúde.
Uma boa condição da garganta/ouvidos para o pessoal navegante é essencial.
Agora para aligeirar, vou referir uma panaceia usada pelo pessoal em Angola, para fazer frente ou atenuar aquele problema.
Agora para aligeirar, vou referir uma panaceia usada pelo pessoal em Angola, para fazer frente ou atenuar aquele problema.
Durante o período que estive em Angola a voar no Noratlas, por vezes saíamos por vários dias. Como não éramos imunes às afeções na garganta, sucedia que ligeiras anomalias nos complicavam a vida. Por ter lido algures, comecei a utilizar uma técnica “caseira” – aspirava uma a duas gotas de limão por cada narina até chegarem à garganta e aí poderem atuar como desifetante.
Não me curavam plenamente, mas atenuavam os efeitos da afeção.
Esta panaceia começou a ser adaptada pelos outros pilotos e ainda hoje a utilizo com algum sucesso.Mas no geral, posso gabar-me de um historial quanto a saúde quase irrelevante, durante a minha carreira como piloto. Felizmente.Texto: Cap. (Ref) Fernando Moutinho
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