Capa do livro "A Última Missão" de José Moura Calheiros |
Acabei de ler o livro do “meu Major” José de Moura Calheiros, “A Ultima Missão”.
Já lhe tinha dado umas "bicadas", algumas partes que me interessavam mais que outras, mas agora foi como deve ser, do princípio ao fim. Gostei.
Não obstante ter lido muitos dos livros que falam sobre a Guiné, foi a sua escrita que me fez obrigar a recordar os locais por onde andei, o calor, os cheiros, a terra vermelha, a descrição de Bissau e seus encantos e desencantos, o mercado, a rua das lojas, o largo do liceu, o Solar do Dez e o Pelicano, a humidade e as pragas, de grilos, morcegos ou sapos.
Como ele, recordei a minha sensação de insegurança ao andar pelas ruas e estradas na área de Bissau, logo desmentida pelos mais experientes “estás aqui mais seguro que no Rossio”, alguém terá dito. E era verdade.
Como ele, recordei a minha sensação de insegurança ao andar pelas ruas e estradas na área de Bissau, logo desmentida pelos mais experientes “estás aqui mais seguro que no Rossio”, alguém terá dito. E era verdade.
O livro fez-me voltar à guerra, à região do Cantanhês, a Guidage e Gadamael, aos PCVs em DO 27, aos apoios de fogo às tropas pára-quedistas, aos contactos nas frequências dos 49.0 ou 51.0, à largada de armamento, umas vezes sem problemas de proximidade, outras vezes mesmo ali nas barbas dos nossos homens.
Tenho de o dizer, a maior angústia que os pilotos sofriam não eram os problemas dos mísseis Strela ou as antiaéreas com que nos iam tentando acertar. A maior angústia era não saber no meio daquele tapete verde onde se situariam “os nossos”, ou sabendo-o, tentar satisfazer o seu pedido de apoio, de bombardear o inimigo logo ali a uns metros de distância.
Que o inimigo sabia defender-se, ao sentir a aproximação dos aviões, tentavam encostar-se o mais possível às nossas tropas.
Se houve missões em que a segurança dos “nossos” esteve mais em risco, elas foram seguramente as da bolanha do Cufeu e meses mais tarde em Canquelifá e Copá. O alívio só nos chegava quando se ouvia a tropa depois do bombardeamento, dizendo que estavam todos bem.
Tenho de o dizer, a maior angústia que os pilotos sofriam não eram os problemas dos mísseis Strela ou as antiaéreas com que nos iam tentando acertar. A maior angústia era não saber no meio daquele tapete verde onde se situariam “os nossos”, ou sabendo-o, tentar satisfazer o seu pedido de apoio, de bombardear o inimigo logo ali a uns metros de distância.
Que o inimigo sabia defender-se, ao sentir a aproximação dos aviões, tentavam encostar-se o mais possível às nossas tropas.
Se houve missões em que a segurança dos “nossos” esteve mais em risco, elas foram seguramente as da bolanha do Cufeu e meses mais tarde em Canquelifá e Copá. O alívio só nos chegava quando se ouvia a tropa depois do bombardeamento, dizendo que estavam todos bem.
E, caros amigos, deixem-me confessar algo, uma ou outra vez foram largadas bombas demasiado perto da nossa tropa, bem dentro do perímetro de segurança.
Só o pedido feito no rádio em momentos de desespero, entrecortado pelo som de disparos, nossos e deles, nos faziam quebrar as regras de segurança a que estávamos obrigados.
Quarenta anos passados ainda oiço nos meus ouvidos o pedido de alguém que, na bolanha do Cufeu dizia, “estamos no pontão, bombardeia o pontão”.
Pontão bombardeado, devo ter envelhecido alguns anos, sem conseguir restabelecer as comunicações com quem me pedira o apoio.
Cinco minutos passados, contacto finalmente restabelecido, voltei a ser um jovem.
Eu sei que nem sempre é fácil dizer “onde estamos” ou “para onde vamos”, ou “o que queremos”, é preciso algum treino, todos nós já tivemos aquela experiência de ter que indicar um caminho a alguém, voltas ali, e mais acolá, estás a ver o sinal, não é esse, é logo a seguir...
Estamos perfeitamente a ver o caminho e assumimos que o interlocutor também o está a “ver”, quando grande parte das vezes isso nem é verdade.
Só que no caso das aviações, a coisa é bem mais complicada. Levávamos nas asas o poder de salvar ou destruir um grupo de combate.
Quando o Maj Calheiros fala que o entendimento entre os pilotos dos G-91 e os Páras era de 5 estrelas, ou melhor dizendo “chapa 5” tenho que concordar.
Só o pedido feito no rádio em momentos de desespero, entrecortado pelo som de disparos, nossos e deles, nos faziam quebrar as regras de segurança a que estávamos obrigados.
Quarenta anos passados ainda oiço nos meus ouvidos o pedido de alguém que, na bolanha do Cufeu dizia, “estamos no pontão, bombardeia o pontão”.
Pontão bombardeado, devo ter envelhecido alguns anos, sem conseguir restabelecer as comunicações com quem me pedira o apoio.
Cinco minutos passados, contacto finalmente restabelecido, voltei a ser um jovem.
Eu sei que nem sempre é fácil dizer “onde estamos” ou “para onde vamos”, ou “o que queremos”, é preciso algum treino, todos nós já tivemos aquela experiência de ter que indicar um caminho a alguém, voltas ali, e mais acolá, estás a ver o sinal, não é esse, é logo a seguir...
Estamos perfeitamente a ver o caminho e assumimos que o interlocutor também o está a “ver”, quando grande parte das vezes isso nem é verdade.
Só que no caso das aviações, a coisa é bem mais complicada. Levávamos nas asas o poder de salvar ou destruir um grupo de combate.
Quando o Maj Calheiros fala que o entendimento entre os pilotos dos G-91 e os Páras era de 5 estrelas, ou melhor dizendo “chapa 5” tenho que concordar.
Essa compreensão era o fruto das inúmeras missões que fazíamos em conjunto, talvez por sermos ambos (então) parte da Força Aérea, ou talvez pelo facto de convivermos em quartéis lado a lado. Enquanto vivi na Base, o meu quarto ficava encostado à área do quartel dos Páras, onde estes limpavam as suas armas. Às vezes entretinha-me à conversa com eles. Muitas vezes e por causa do rancho na Base ser entre o mau e o péssimo, resolvia convidar-me para ir almoçar à messe dos boinas verdes. Apesar da evidente sobrecarga na panela e nas suas verbas, era sempre recebido com um sorriso. Nessas alturas e para além das conversas próprias de homens, aproveitávamos para trocar ideias sobre missões passadas, o que correu bem e mal, num debriefing informal.
Era esta rapidez em dizer onde estavam, o que pretendiam e quais as condicionantes envolventes, que diferenciava os páras da restante tropa. Ali não havia ”palha” era só a informação necessária e suficiente para se levar a cabo a missão. Já os “verdes” tinham “oradores” de todo o tipo, uns bons, outros bem trapalhões. E até havia alguns “verdes” de primeira água, Fulacunda e Canquelifá no top. Os mais difíceis de entender eram os fusos, nunca se sabia bem onde estavam e muito menos o que queriam.
Mas deixemo-nos de lamúrias e vejamos algo de mais concreto. Diz o autor a páginas 480 que os pilotos tinham sempre uma voz calma e pausada, do tipo “funcionário público a atender o cliente”.
Fogo!!! Com os meus 65 anos até já me têm chamado muitas coisas, agora funcionário público é que não! É a primeira vez. Não tenho nada contra os funcionários públicos, só não estava à espera de tal piropo, a nossa voz ao rádio talvez andasse por esse estilo, só não sei se os funcionários públicos são calmos e pausados.
Pensando melhor, várias razões podiam concorrer para tal maneira de estar. Em primeiro lugar o grande número de missões que fazíamos, o que acabava por nos dar algum traquejo. Em segundo lugar porque se não falássemos em voz calma e pausada já sabíamos que tínhamos que repetir tudo outra vez. Que a frase típica do tipo do rádio e que nos dava vontade de lhe dar uma fogachada era “totalmente recebido, nada compreendido, terminado”.
Em terceiro lugar porque sendo o G-91 um avião monolugar tínhamos de fazer o papel de piloto, navegador, telegrafista, atirador, a nossa atenção andava dispersa no meio daquele cockpit, com botões, luzes indicadoras, alavancas e outras coisas mais. Para os mais leigos em termos de aviação, também não fiquem com a ideia que os pilotos são da linhagem do Super-Homem ou que têm 74 olhos, não passávamos cartão a muitos daqueles mostradores. Havia no entanto um deles que nos preocupava mais que todos os outros, que não tendo a ver directamente com o motor, (esse era um Rolls Royce, nunca falhava), nos indicava quanto tempo podíamos estar ali pela zona das operações. Era tão só o indicador da quantidade de combustível. (mostrador1)
Cockpit do G.91 R/4 |
Indicador de quantidade de combustível do G.91 |
Calibrado em Libras (lbs), cada libra vale cerca de meio quilo, a sua escala ia do 0 aos 3600, consumindo-se todo o combustível em cerca de 50 minutos. Cabe aqui um parêntesis para esclarecer que nos aviões com maior performance, a quantidade de combustível é normalmente referida em peso (Libras, Quilos) em vez de volume (Litros, Galões).
Na prática podíamos resumir o indicador do seguinte modo:
Na prática podíamos resumir o indicador do seguinte modo:
Entre as 3600 e as 3000 lbs era o combustível necessário para descolar e subir, entre as 3000 e 2000 lbs para chegar ao objectivo, permanência sobre o local entre as 2000 e 1000 lbs, a partir das 1000 lbs iniciava-se o regresso, de modo a chegar a Bissau com um mínimo de 380 lbs.
Quando chegava às 380 libras entrava-se na chamada reserva, cinco minutos de voo, aparecendo um outro ponteiro mais pequenino, preciso e assustador, a leitura passava a ser feita na escala interior. Chegando ao zero, deixávamos de pilotar um avião, passávamos a estar sentados numa pedra.
A monitorização deste mostrador tinha que ser permanente, até porque podia acontecer um tampão do depósito mal fechado ou um disparo do IN furar um depósito, lá ficávamos mal vistos e a falar sozinhos.
Esta era a razão pela qual os pilotos por vezes poderiam dar a impressão de “apressados”, querendo abandonar a zona. Nada mais falso, a quantidade de combustível a bordo é que sempre ditava o tempo de permanência sobre o objectivo. Lembro-me de ter ido largar umas bombitas ao estrangeiro lá para os lados de Burumtuma. Nesse caso o tempo autorizado sobre o objectivo era... negativo!
Foi chegar, largar e andar, lá regressámos a Bissau à maior altitude possível, cerca de 10.000 metros, a 100km da Base (à vertical de Enxalé) reduzimos o motor e iniciámos uma descida em rota como costumávamos dizer, “na cagadinha”. Só tornámos a mexer na manete do motor quando, já sobre Bissau, a aterragem nos pareceu assegurada.
Só que estas missões de tanto se repetirem, iam-nos dando uma falsa sensação de segurança, voo após voo, íamos forçando mais um pouco, mais um pouco... tal como por vezes fazemos com as nossas viaturas, quando damos um passeio entre Cascais e a Malveira. Que me lembre nenhum piloto acabou por ficar sem combustível em pleno voo.
Após estacionar o avião e quando o mecânico me fez sinal para cortar o motor, apenas pensei em fazê-lo... e ele apagou-se sozinho.
Serviu-me de emenda!
Um abraço,
António Martins de Matos
Ten Pilav da BA12
NOTA: As memórias do Gen. Martins de Matos foram publicadas no livro "Voando sobre um ninho de Strelas" disponível através da loja do Pássaro de Ferro
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