Segundo os pilotos os aviões de série nunca voaram tão bem como os protótipos Foto: Lockheed Martin |
Phil Oestricher, o primeiro piloto a voar no YF-16 nº1, não estava muito emocionado quando reencontrou a aeronave muitos anos depois. O avião mostrava claros sinais de desgaste após tempo considerável de armazenamento na base aérea de Whright-Patterson no Ohio, EUA. A sua utilização em estudos de sistemas de ejeção, tinham-no deixado numa condição similar à dos restos de uma qualquer bizarra experiência médica. O primeiro comentário de Oestricher foi "pintem-no por favor!"
Mas depois de andar à volta da aeronave por alguns minutos, a olhar para ela e dando alguns pontapés nos pneus, Oestreicher sorriu e revelou o lugar que a máquina certamente ocupa no seu coração: "Que máquina maravilhosa."
O protótipo nº1 cerca de um mês antes do "voo acidental" Foto: Lockheed Martin |
Oestreicher foi tal como referido, o primeiro piloto a voar o F-16, mas aconteceu alegadamente de modo acidental. Para o dia 20 de janeiro de 1974, nada mais do que uma rolagem a alta velocidade estava previsto acontecer na base aérea de Edwards na Califórnia. Oestricher, que deveria dividir os voos com o seu camarada Anderson da General Dynamics, estava encarregado de taxiar o nº1 até 135 nós e pará-lo em segurança, para avaliar os comportamentos do modelo no solo. O primeiro voo só estava escalonado para o dia 2 de fevereiro seguinte.
A partir daqui as versões da história diferem, consoante quem a conta. Facto é que a taxiagem a alta velocidade se transformou numa série de oscilações do avião, que acabaram por levar o estabilizador horizontal direito a embater na pista, ponto em que Oestricher elevou o avião no ar, para evitar a destruição.
Assim, o taxiamento de alta velocidade transformou-se num primeiro voo inesperado, e o YF-16 juntou-se à lista de projetos que realmente deixaram o chão e voaram. E Oestreicher transformou-se no Homem do Dia, salvando o mais promissor projeto da General Dynamics para o futuro, e o que levaria a companhia a um dos períodos de expansão mais longos, dentro dos altos e baixos da indústria aeronáutica.
Algumas versões da história agora contada diferem em pouco do original, enquanto outras divergem consideravelmente. As versões mais populares dizem que a descolagem acidental resultou do sistema fly-by-wire então pioneiro, que era na época bastante mais sensível do que se pensava. Não está longe da realidade, mas não é exatamente a verdade. Uma publicação houve contudo que chegou a referir que o voo acidental resultou de um problema de software, quando na verdade os controlos de voo do YF-16 eram totalmente analógicos e não tinham software. Outras versões referem ainda que tanto a deriva como ambas as asas embateram no solo.
As mais rebuscadas avançam que o voo não intencional foi de facto intencional. Segundo estas versões, Oestreicher, em competição com Anderson, quis assegurar-se de que seria o primeiro piloto a voar no F-16, o que não tem consistência, uma vez que Oestreicher estava já designado para ser o piloto do primeiro voo programado para 2 de fevereiro de 1974.
Segundo as explicações do próprio piloto o que sucedeu foi o seguinte: "Iríamos taxiar o avião a velocidades progressivamente mais altas, pois queríamos ter uma ideia melhor de como se comportava. Poucas pessoas sabem isto, mas naquele dia tínhamos realmente a intenção de descolar do solo. A nossa intenção era levar a aceleração até um nível "militar" por alguns segundos e deixar o trem principal subir alguns centímetros enquanto íamos pela pista abaixo. Deparámo-nos com dois problemas: em primeiro, o sistema de controlo (manche) era demasiado sensível, com demasiada rolagem em função da ação aplicada no manche. Depois, o controlo do bocal de exaustão estava ligado incorretamente. Só no solo o bocal estava completamente aberto e assim que as rodas deixavam de suportar peso, o exaustor fechava, o que basicamente duplicava a potência mesmo que a baixo regime."
Imagem do "voo zero" do protótipo YF-16 Foto: Lockheed Martin |
No relatório do piloto consta que naquele dia Oestricher fez uma rotação de cerca de 10º quando atingiu 130 nós e o avião acelerava ainda ligeiramente. Fez depois pequenos ajustes no manche para sentir a resposta, mas nada sucedeu, possivelmente porque o trem ainda estava no chão. Neste ponto aumentou sensivelmente o ângulo de ataque. Imediatamente depois de uma segunda rotação o avião descolou, com a asa esquerda a descer perigosamente. Após correção no manche pelo piloto, a aeronave iniciou imediatamente oscilações de alta frequência.
"De cada vez que eu tentava corrigir a oscilação, obtinha uma reposta exagerada por parte do avião (...) e o avião continuava a acelerar, porque o exaustor fechou, apesar de eu ter a manete de potência a baixo regime."
Antes que a oscilação pudesse ser controlada, a calha de suporte de mísseis na ponta da asa (esquerda) tocou levemente no chão, seguida pelo estabilizador horizontal e o avião saltou várias vezes sobre o trem de aterragem principal. E estes saltos levavam o avião a sair da pista. Foi este fator que levou Oestreicher a decidir elevar o avião no céu para sair da situação, pois sentia que seria impossível manter a aeronave na pista, mesmo que fosse possível fazer baixar a roda de nariz rapidamente.
Aplicou então potência intermédia ao motor e o avião subiu lentamente, numa volta suave. O relatório descreve este estilo de voo como "compreensivelmente ligeiramente conservador". Oestricher descreveu uma volta larga para uma aproximação final longa e aterrou seis minutos depois de descolar.
Os engenheiros da General Dynamics resolveram o problema da sensibilidade dos controlos nessa mesma noite e segundo Oestreicher o problema poderia ter sido descoberto ainda antes do primeiro voo, se os simuladores de voo da época tivessem melhores mostradores. O toque na pista danificou seriamente o estabilizador, sendo ainda hoje possível ver as marcas, na forma de uma junta diagonal na superfície. Com as modificações nos controlos de voo e o estabilizador reparado, Oestricher voaria o primeiro voo oficial a 2 de fevereiro de 1974. O voo de uma hora e meia desse dia foi praticamente sem história. Do relatório constam algumas das característica que seriam os grandes trunfos de venda do F-16: O avião é confortável e bom de pilotar imediatamente. Nenhuma dificuldade em se adaptar ao manche lateral ou à cadeira inclinada a 30º. A visibilidade é tão boa que é necessário tempo de adaptação. O avião responde de um modo impressionante relativamente aos três eixos, mas pode ser voado de modo suave sem esforço.
Os primeiros voos também demonstraram que o F-16 facilmente conseguia melhores performances do que o F-4 e o T-38, ao mesmo tempo que os levava a esgotar o combustível antes.
Imagem do primeiro voo oficial do YF-16 a 2/2/1974 Foto: Lockheed Martin |
O problema no bocal de exaustão só foi resolvido no quinto protótipo.
O YF-16 nº1 atingiu a velocidade de mach 1 a 5 de fevereiro de 1974 e mach 2 a 11 de março do mesmo ano.
Alguns pilotos dizem que o F-16 nunca mais foi o mesmo após o fabrico em série. Quem voou os protótipos concorda que tinham características únicas, devido à ausência de armas e radar. O avião era por isso mais leve do que as ulteriores versões. Tinha ainda um nariz ligeiramente mais pequeno, o que lhe conferia mais algumas vantagens na manobrabilidade. Na verdade todo o avião era ligeiramente mais pequeno do que as versões de série.
Mas apesar de concordarem que era muito mais divertido de pilotar, não deixam de sublinhar que seria totalmente inútil em combate.
Vídeo do "Voo Zero" do YF-16:
Fonte: Code One
Tradução e adaptação: Pássaro de Ferro
1 Comentários:
Já agora também seria giro contar o desfazer do mito da inclinação do assento a 30º! Afinal não teve nada a ver com a diminuição do efeito dos G's e tem uma explicação bem mais simples dada na primeira pessoa pelo designer do avião.... o assento inclinou-se porque era a única maneira de o fazer caber no sitio sem alterar o desenho original!
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