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Um dos poucos Halifax restantes - ainda quem em má condição - está no museu da RAF em Londres |
Capitulo 1
Capítulo 2
12 de março de 1944
Mais pescaria, futebol e passeios pelos bosques. Esta é a zona do foie gras, mas os gansos são poucos. Também é a zona do vinho de Bordéus - mas são escassos. Os alemães levaram quase tudo o que os camponeses não esconderam.
13 de março de 1944
Dizem-me para descansar. Jean parece um pouco triste - o seu amigo vai partir. E o seu irmão já não o visita há séculos.
Não posso ficar muito tempo num sítio... vou mudar esta noite...
Noite de 14 para 15 de março de 1944
O Dr. Henri vem buscar-me à quinta. É uma cara acolhedora. O Dr. Henri foi uma das primeiras pessoas que vi depois de escapar do meu avião. Tratou das minhas feridas. Fala inglês bastante bem. É judeu, pelo que todos evitam o seu último nome "Cahn" - alguns chama-lhe mesmo Dr. Henri Bibi para o proteger. Toda a sua família foi dizimada pelos alemães. O próprio Dr. Henri escapou de um campo.
A ideia de me mover, fazer qualquer coisa, especialmente em direção ao sul, para mais perto de Espanha e escapar é bem-vinda.
Despeço-me e agradeço à família. Eles estão em grande risco comigo aqui - nunca se sabe quem pode falar. Mais alemães vieram até Houilles, que fica perto de onde o avião alemão caiu.
O casal ficará seguro agora, depois de eu partir. Até ajudarem o próximo camarada... que boa gente.
O Dr. Henri e eu pedalamos toda a noite e dormimos nos bosques durante o dia. Depois mais umas pedaladas até aos arredores de Nerac. O Dr. Henri deixa-me então com Gabriel La Peyrusse.
Gabriel tenta esconder-me no sótão da sua casa, mas eu não alinho - não tem fuga e é demasiado óbvio. Esconde-me então no celeiro, nas traseiras da casa e perto da horta.
O Gabriel cultiva vegetais como profissão, mas é também o Presidente da Câmara de Nerac. E comandante dos Maquis (NR: Resistência Francesa das zonas montanhosas). O Dr. Henri é o segundo na linha de comando.
Estou bastante cansado, pelo que confirmo todos os caminhos de fuga e "aterro" na parte de trás do celeiro, atrás da palha. Já não é a primeira vez.
Penso no que se seguirá... e mergulho sonoramente no sono.
15 de março de 1944
Gabriel é um tipo exuberante e muito grande. Vive a vida em grande, ri em grande, come muito, bebe muito. Tem um talento indescritível para manobrar entre os alemães, os Maquis e os cidadãos de Nerac. Leva os seus vegetais ao mercado todos os sábados. Encontra-se com outros Maquis numa outra casa. Outro membro tem o rádio para comunicar com o exterior. Esse tipo entrega ao Gabriel no mercado, ao sábado, as mensagens da semana. Vende flores na banca ao lado da do Gabriel.
16 de março de 1944
Tédio misturado com momentos de alerta, quando ouço barulhos estranhos. Aventuro-me a ir mais perto da estrada - observo os transeuntes, ao abrigo da sombra de uma árvore. Penso no meu próximo passo. Como vou voltar para os americanos ou Aliados e combater? O que se passa na guerra?
Gabriel chama-me para dentro. Espera visitas. Tenho que me manter calado. Eles vão-lhes dizer que eu sou surdo-mudo - ou pelo menos mudo. Dois jovens da minha idade ou um pouco mais novos aparecem - um irmão e uma irmã pelo aspeto. A irmã parece interessada em mim. Faço como Gabriel me disse, mas ela é bastante atraente... e já lá vai bastante tempo...
16 de março de 1944
A rapariga partiu. Não tive qualquer hipótese. Na verdade era muito perigoso - nunca se sabe quem está de que lado.
17 de março de 1944
Não tenho muito que fazer pelo que me aventuro perto da estrada à sombra da árvore para ver as pessoas passar. Penso no futuro e em como hei de voltar para os americanos e combater.
Enquanto aí estou sentado, um grande grupo de soldados alemães passa a marchar. Não mexo um único músculo. Depois de passarem volto a respirar. Gabriel, apoplético deixa bem claro: se eu não me mantenho escondido "eu e ele" - e faz um sinal com o polegar à volta da garganta. Glup!
Volto para o esconderijo. Simplesmente não sou bom para estar parado sem trabalhar ou fazer algo útil, mas ser torturado ou causar a morte ao meu benfeitor, também não é a melhor ideia de um tempo bem passado.
Gabriel manda-me com o Raoul de bicicleta para a casa de família do Gabriel. Pouco sei, além de que tenho que ir com o Raoul. Espero poder confiar nele.
Chegamos a casa dos pais de Gabriel em três horas. Tenho as pernas desfiadas, mas não tenho alternativa nem carro. Descansamos uma hora e depois pedalamos mais uma milha até um campo.
Ouvimos um Halifax a aproximar-se. Por um segundo, o campo ilumina-se com velas em duas linhas; depois fica escuro.
Sempre me perguntei como é que o Halifax conseguia identificar o ponto de largada com tanta exatidão no escuro. É uma excelente navegação.
Soube anos depois pelo Raoul que o sinal era uma emissão de rádio: "vai chover esta noite". Gabriel recebeu a emissão e passou a palavra ao Raoul para o ir visitar. Na visita, Gabriel disse-lhe a mensagem e tirou-me de casa, onde os alemães poderiam regressar, para saber quem estava sentado no quintal. Todos os jovens homens estavam normalmente recrutados para campos de trabalho, pelo que era pouco usual ver um jovem sem fazer nada num quintal.
O Halifax faz apenas uma passagem. Mas que passagem - montes de bidons, presumivelmente cheios de abastecimentos necessários.
Raoul faz-me sinal para recolher os materiais, carregar os vagões e os camiões. Os camiões eram os mesmos fornecidos pelo misterioso belga dono da fábrica de lápis. Ajudou muito a Resistência francesa e os aviadores como eu. Desapareceu depois da Guerra, pelo que nunca pude agradecer-lhe.
Quando acabamos os carregamentos, outros conduzem e levam os camiões. Gabriel e eu voltamos à casa dos seus pais, comemos alguma coisa e dormimos o resto da manhã e parte da tarde. Quando acabo de dormir, pego na bicicleta e passeio pelo campo. Parece-me boa ideia conhecer a zona e manter-me em forma. Não sei qual será a minha estrada de fuga, mas não quero que a minha baixa forma seja a minha ruína. Não me apercebi o quanto assustei o Gabriel ao fazer isso (contou-me anos depois) - estava muito preocupado dque algo me acontecesse enquanto eu estava entregue aos seus cuidados.
Quando regresso, o Gabriel está preocupado - recebemos explosivos plásticos, mas ninguém sabe colocar os detonadores. Bem... eu sei.
Gabriel fica surpreendido, desconfiado e depois aliviado quando lhe digo que o meu pai era perfurador de poços de gás.
Mostro-lhes com se faz. Mas não me levam nessa noite em missão, para explodir a ponte de Damazan e o canal que é a principal ligação entre Bordéus e Marselha, não só para o tráfego aquático, como de veículos terrestres, como também a linha telefónica atravessava essa ponte.
"Demasiado perigoso", diz.
Soube anos depois: o trabalho "diurno" do Raoul era de guarda noturno dos alemães - guardar as pontes!
Enquanto eles não estão, faço o máximo de detonadores que consigo durante esse tempo. Quando regressam, Raoul e eu pedalamos até Nerac.
Só soube porquê depois.
(continua)
Texto: Victoria Yeager
Tradução: Pássaro de Ferro