Mirage 2000N |
Aconteceu há pouco mais de dez anos, quando era instrutor na CFEN da Força Aérea Francesa (Armée de L'Air). Na altura, passava a maior parte do tempo a voar no backseat com jovens pilotos, largados em Mirage 2000 em Orange, que voltavam para "casa" para serem treinados na versão N e depois serem colocados em esquadras operacionais em Luxeuil ou Istres.
A missão dessa noite era relativamente simples a nível de programa: treino de aproximações a outra aeronave, com posterior voo em formação cerrada. O objetivo seria a familiarização de procedimentos para a aproximação a algum aparelho em dificuldades ou um avião-tanque, além de aperfeiçoar a prática do voo em formação cerrada, bastante útil quando a meteorologia não é desfavorável sobre o alvo, tal como era o caso nessa noite. Céu limpo, bem estrelado e sem (ou pouco) luar no horário de voo.
Uma parelha de dois aviões. O líder, um experiente piloto, tal como todos os instrutores do CFEN, voaria com um navegador estagiário, que se familiarizava com os procedimentos das aproximações no ar e que deveria, assim que voássemos em formação, fornecer dados ao seu piloto, com base em informação fornecida pelo controlo. No meu avião, um jovem piloto estagiário, um pouco "louco" mas aplicado em desempenhar bem o seu papel, e eu atrás, com um pouco mais de 2000 horas em Mirage 2000N para contar...
Se a missão era simples de preparar, podia gerar uma quantidade de stress considerável nos estagiários, já que o voo noturno é sempre especial. E quando duas aeronaves se juntam em voo, as coisas podem rapidamente tornar-se críticas.
O briefing decorre pacificamente, após a refeição da noite na messe. Todos estão atentos. O piloto comandante de missão, que efetua o briefing, insiste bastante na gestão de luzes da aeronave que estiver em função de líder, relativamente à tripulação que se aproximará. Ficar desorientado e com falsas estimativas de distância, não são situações por que se queira passar. Encorajo o meu piloto a não ser tímido e a pedir ao líder para diminuir a intensidade das luzes quando nos estivermos a aproximar. Em tal situação não podemos estar com escrúpulos no rádio, "medo de incomodar", porque é fundamental.
Começamos a voar. Separações e aproximações começam a suceder-se e alternamos os papeis, para que os dois estagiários possam tirar partido da missão. A última aproximação será para nós, e o melhor, é que assim que terminada, podemos passar à formação cerrada e fazer uma última passagem em formação, antes da aterragem individual.
O meu piloto desenrascou-se bem até então. O meu papel nas fases de aproximação era adquirir o líder no radar, para termos informações de distância e velocidade de aproximação. Não é obrigatório, mas é mais confortável. Para a última aproximação, o meu piloto pergunta-me "meu capitão, gostava de fazer a aproximação sem ajuda radar, é possível?". Resposta afirmativa da minha parte. "Pense bem em todas as fases da aproximação: preparação, retirada, separação... um eixo de cada vez... e quando em dúvida, para abortar, para baixo e para trás... Compreendido? - Afirmativo meu Capitão! - Ótimo e pense em fazer diminuir as luzes deles quando estivermos mais perto... -OK..."
Começamos a aproximação e até aí tudo bem. Chegamos à distância mínima para adquirir contacto visual para a aproximação final. Devido à meteorologia dessa noite, não houve qualquer problema. O meu piloto prossegue com a aproximação. Preparação, retirada, separação... qualquer coisa me chama a atenção... e falo com o meu piloto: "diz-me uma coisa, não achas as luzes anti-colisão demasiado fortes? - Não, não, ainda bem que estão assim, senão não as via..."
"Acendeu-se" uma pequena luz vermelha de aviso no meu espírito: na verdade, com as luzes anti-colisão fortes, tenho grande dificuldade em avaliar a distância e velocidade de aproximação. E tudo acontece muito rápido... Vejo a silhueta do líder crescer a olhos vistos, mas não se desvia da nossa direção. Isso significa que se não fizermos nada, vai haver contacto... Instantaneamente, sem refletir, a minha reação imediata: "Mexe o manche!" Gritei literalmente para as minhas pernas. Soou como um tiro... e o tempo parece que se tornou elástico... o meu piloto executa a manobra imediatamente, tão rápido como um reflexo nervoso demora a passar na espinal medula. E bem o faz... o Mirage 2000 é bastante ágil, mas sinto a manobra de rodar o avião para inverter o voo com uma lentidão infinita, até a trajetória mudar finalmente.
Passamos por um avião tão grande como o nosso, a grande velocidade, para sair sob a sua asa esquerda. Passámos realmente perto, porque cheguei a ouvir o barulho do motor do líder.
Pergunta do líder: " Tens a certeza que não tentaste seguir uma estrela?" (isso acontece... raramente, mas acontece...). Eu respondi calmamente: "Não, nós vimos-vos... eu vou explicar..."
À frente, o meu piloto está esbaforido. Acaba de compreender o que podia ter acontecido. É necessário acalmá-lo um pouco, se queremos que o regresso seja normal. Dirijo-me a ele com a voz o mais calma possível: "Escuta, está tudo bem... quando tocamos, tocamos... e desta vez não aconteceu nada disso... Por isso, respira pelo nariz, acalma-te e vamos regressar em formação cerrada..."
O meu piloto está bloqueado. E também não percebeu todo o alcance das minhas palavras, como me apercebi depois. Alguns anos antes, o meu avião entrou em rota de colisão com um planador... (dessa vez tocou mesmo... mas isso já é outra história).
Voltamos a encontrar a serenidade necessária para terminar a missão e regressar ao solo. Perante a lentidão do meu piloto em aproximar-se do líder e mantendo uma distância prudente, o líder começa a desconfiar que se passou alguma coisa. Forçosamente debaixo dum caça não se vê grande coisa... e de noite ainda pior.
Regressamos à base e aterramos em segurança. Chegamos à placa de estacionamento dos aviões. Colocam-se as seguranças, corta-se o motor. Depois de nos termos juntado ao líder lá em cima, não trocámos muitas mais palavras, à parte dos diálogos standard. Descemos do avião... os mecânicos da linha da frente perguntam-nos se correu tudo bem... "Se pusermos a coisa dessa forma..." sorrio eu, estou inteiro e vivo... O meu piloto tem a viseira baixada. Reconforto-o um pouco, repetindo "desde que não toque, desde que não toque..." Ele não percebe tudo, mas sente que já tive alguma experiência dentro do assunto. Sente que o debriefing vai ser "sangrento". Mas não é grave... Principalmente porque podemos debriefar...
Com efeito, mesmo antes do debriefing, quando nos encontramos com a tripulação líder na placa, antes de abandonar os aviões, o meu camarada líder de parelha compreende que se passou alguma coisa... e coloca a questão: "O que é que aconteceu?"
Respondo "falhámos a aproximação por trás no último treino... Quando eu disse que vos vimos bem, foi de muito perto, vimos-vos muito perto..."
Ele vira-se contra o piloto estagiário e explode, sob o medo em retrospetiva: "Mas tu és parvo?! Ca###o, não foi por falta de te avisar no briefing!!! Ainda por cima a menos dum mês de me reformar!"
Com efeito, o debriefing foi realmente "sangrento"...
Na manhã seguinte, enquanto falava com o comandante de Esquadra, sobre a possibilidade de realizar as missões de manhã, por oposição a fazê-lo de tarde, devido à incerteza da meteorologia, um outro piloto-aluno, provocando-me disse: "Na verdade meu capitão, tem direito de ter medo..."
O insolente...
Uma semana depois, com esse mesmo aluno que me provocou, caímos 15.000 pés numa perda de controlo durante um treino de combate aéreo. Curiosamente não me deu réplica quando eu perguntei se ele se importava que eu tivesse medo...
Fonte: Defense Aero
Tradução e adaptação: Pássaro de Ferro
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