Há dois anos atrás, enquanto ultimava os preparativos para uns dias de férias, a banhos de sol de mar no Reino dos Algarves, que me dei conta, distraído como sempre, que no regresso a casa pela rota “costodrómica”[1], iria passar por Aljezur e o seu belo castelo altaneiro, 75 anos depois de ter ali perto tido lugar a “Batalha de Aljezur”, a 9 de Julho de 1943 [2].
Foi durante a II Grande Guerra, em que o Portugal neutral foi palco de inúmeros episódios de confrontos aéreos entre as forças beligerantes, nomeadamente frente à nossa costa, em combates navais e aéreos (de fazer por certo mossa ao venerável Major Jaime Eduardo de Cook e Alvega), entre comboios de navios cargueiros auxiliados por vasos de guerra e aviões aliados, defendendo-se de submarinos e aviões alemães. Naquele dia, como em diversos outros, um comboio aliado descia a costa rumo ao Mediterrâneo, acompanhado por alguns navios de escolta e, no plano aéreo, por dois Beaufighters e um Hudson. Foram atacados por uma esquadrilha de quatro Condors que se envolveram num intenso combate aeronaval resultando, da refrega, que dois dos Condors retiraram para Norte, um terceiro foi atingido e afastou-se na direcção de Espanha e um quarto, ferido de morte, ainda tentou uma aterragem na costa Vicentina, sem sucesso, despenhando-se na orla da falésia entre a Ponta da Atalaia e a Praia da Arrifana.
Naturalmente que, as minhas palavras são quase vazias, já que, sobre o tema, não conseguiria acrescentar nada mais ao brilhante e extenso trabalho de investigação histórica, dos autores já nossos conhecidos, José Augusto Rodrigues
[4] e Carlos Guerreiro
[5], e também o trabalho que a
Associação de Defesa do Património Histórico e Arqueológico de Aljezur (ADPHAA) está a fazer na preservação da vasta história e património da região, e também deste evento.
A ADPHAA, mantém uma secção dedicada ao tema nas suas instalações que, com muita pena minha, não pude visitar aquando da minha primeira visita mas que, dois anos mais tarde, fiz questão de voltar a Aljezur para visitar a pequena exposição de artefactos deste Focke-Wulf Fw200C, recuperados ao longo dos anos, bem como alguns modelos à escala que integram a exposição.
Quando passei por Aljezur dessa primeira vez, a 9 de Julho de 2018, compilei um conjunto de fotografias, nomeadamente do cemitério municipal, onde estão inumados os sete militares alemães que perderam a vida em 1943. Neste cemitério de feição moderna, o espaço todo ele muito bem cuidado, é por estes dias, e desde algumas décadas, visitado pela comunidade alemã em Portugal, e também em Novembro, altura em que a cerimónia integra o “Volkstrauertag” (Dia da Memória), em que são evocados os militares que perderam a vida em acções militares ou de violência. Até ao início dos anos 90 essa homenagem era organizada pelo Comando da Luftwaffe baseado em Beja, é desde então da responsabilidade da Embaixada Alemã em Lisboa, que promove a homenagem com a autarquia. Possivelmente por ser dia de semana, a cerimónia teve lugar alguns dias depois, conforme deu disso
notícia a ADPHA na sua página no FB, e
de novo em Novembro do mesmo ano, o Dia da Memória.
O aparelho era o Focke-Wulf Fw200C-4 “Condor”, nº0178 / F8+NT da III/Kg.40 (Kampfgeswader 40), baseado em Bordeus-Merignac, e a sua tripulação era composta dos seguintes aviadores,
Leutenant (Tenente) Karl-Günter Nicolaus Comandante
Unteroffizier (Sargento) Hans Weigert Piloto
Unteroffizier (Sargento) Werner Riecke Rádio-Telegrafista
Unteroffizier (Sargento) Walter Beck Rádio-Telegrafista
Unteroffizier (Sargento) Martin Angermann Mecânico de Voo
Obergefreiter (Cabo) Ernest Friedrich Herppich Observador
Feldwebel (Sargento) Johann Bauer Artilheiro
Volksbund
À semelhança de outras referências já aqui efectuadas, acerca dos militares sepultados em Portugal, no contexto da 2ª Grande Guerra, nomeadamente a referência às Commonwealth War Graves, a sua congénere alemã, a
Volksbund Deutsche Kriegsgräberfürsorge e. V. (trad. livre: Comissão Alemã de Sepulturas de Guerra), abreviado para Volksbund ou VDK, surge num mesmo contexto, no final da 1ª Grande Guerra.
Nasce da iniciativa privada, por parte do povo alemão, por não existir na então jovem e periclitante República de Weimar, nem a força política, nem os meios financeiros para empreender a tarefa de sepultar os seus mortos de guerra. É criada a 16 de Dezembro de 1919, ao abrigo do Artigo 225 do Tratado de Versailles, defenindo como objectivos sepultar condignamente todos os que deram a vida pelo seu país, perpetuando a homenagem pelo seu sacrifício, registando, mantendo e cuidando dos túmulos dos mortos de guerra alemães no estrangeiro.
Até ao início da década de 1930, já tinha estabelecido diversos cemitérios de guerra, sendo que durante o período da 2ª Grande Guerra essa responsabilidade passou a ser das forças armadas e, a partir de 1946, retorna essa responsabilidade para a Volksbund, altura em que cria mais de 400 cemitérios de guerra.
Actualmente e desde 1954, é a responsável perante o governo pela localização, salvaguarda e manutenção de todos os locais de repouso eterno de militares alemães no estrangeiro.
A Volksbund leva a cabo a sua missão com fundos provenientes de donativos particulares (cerca de 70%), sendo o restante proveniente de auxílio governamental.
À data do escrito, são responsáveis por 832 cemitérios em 46 países, e um número em excesso de 2.75 milhões de sepulturas, de ambas as guerras mas que incluem também cemitérios e locais de memória da guerra Franco-Prussiana (1870-1871), Primeira e Segunda Guerras de Schleswig (1848-1852 / 1864), e do período colonial da Alemanha.
Em Portugal não existem cemitérios de guerra que integram este conjunto, existe sim, e à semelhança de muitas das sepulturas da CWG, são cemitérios locais onde se encontram sepulturas que, de acordo com o
sítio oficial, são da responsabilidade da Volksbund, nomeadamente em Aljezur [7],
Angra do Heroísmo [17], e Moura [6], sendo que as de Angra são do período da 1ªGG.
Em Aljezur, contrariando um pouco isso, e como refiro atrás, é a comunidade alemã, nomeadamente através da embaixada, e de cidadãos alemães residentes na região, quem promove as cerimónias evocativas, aquando da data do acidente, e no Dia da Memória (“Volkstrauertag”), quando se assinala a data do Armistício da 1ª Grande Guerra, a 11 de Novembro. Em verdade, não encontrei na bibliografia que consultei qualquer evidência de ser a Volksbund a responsável. Tema a aprofundar eventualmente de uma próxima vez.
Quanto em 2018, rumei à Ponta da Atalaia, para aceder ao local onde se despenhou o aparelho, onde foi erigido um pequeno marco em memória dos que ali perderam a vida. Apesar de ter procurado saber de antemão o local exacto, não tive grande sorte e, com muita pena minha, não dei com ele...
Valeu ao menos pelo passeio, e pela lindíssima paisagem Vicentina.
Foi só dois anos mais tarde que lá voltei, e não sem dificuldade, encontrei o marco que assinala o local onde se deu este acidente.
No final de ambas estas romagens, não me demorei muito por ali, mesmo até porque a paciência das minhas companheiras de viagem conhece alguns limites, e ainda tínhamos muitos quilómetros a percorrer … mas isso, são outras histórias.
Agradecimentos: ADPHA; Carlos Guerreiro; José Augusto Rodrigues;
Nota do Autor - Meus caros leitores Pássaro-Ferrosianos, algo que já advogo há algum tempo, e que deriva por certo do meu magro trabalho colaborativo no projecto EMOOS [3], a ideia de que, falta fazer um roteiro completo de todos os locais de interesse aeronáutico no nosso país, por forma a manter, de forma organizada, concisa e séria, uma espécie de inventário vivo de todos os locais, histórias, património material e imaterial, etc.
[1] – expressão curiosa que aprendi com alguns pilotos de A-7P;
[2] - 9 de Julho é também data importante, por outros motivos, já que foi nesse dia, em 1832, que D. Pedro entrou na Cidade do Porto com o Exército Libertador dos seus 7500 bravos desembarcados na praia do Pampelido, dando início a um longo período de guerra civil, destacando-se deste período, o Cerco do Porto, no qual militares e civis, leais à causa Liberal, defenderam estoicamente durante mais de um ano a cidade, ante a metralha dos Miguelistas! Mas isso, já são outras histórias, histórias de … Homens de Ferro.
[3] – EMOOS – European Military Out Of Service, da autoria dos Srs. Otger van der Kooij e Andy Marden;
[4] – José Augusto Rodrigues autor das quatro edições em livro, revistas e já muito alteradas do “Batalha de Aljezur” (2004, 2006, 2013 e 2018);
[5] – Carlos Guerreiro, autor do livro “Aterrem em Portugal” e responsável pelo trabalho-vivo no ciber espaço sobre o … [http://aterrememportugal.blogspot.com]
Outras fontes:
ADPHA - Associação de Defesa do Património Histórico e Arqueológico de Aljezur www.adpha.pt e http://www.facebook.com/AssociacaoDefesaPatrimonioAljezur/
http://www.cm-aljezur.pt/pt/noticias/1717/comemoracoes-do-75-aniversario-da-batalha-de-aljezur.aspx
https://www.facebook.com/Lusotopia/posts/629306400494652
https://www.noticiasmagazine.pt/2016/o-iii-reich-em-aljezur/
http://www.sulinformacao.pt/2018/07/aljezur-e-vila-do-bispo-recordam-como-ii-guerra-mundial-tambem-passou-pelo-algarve/
https://www.tsf.pt/sociedade/interior/o-obrigado-de-hitler-ao-portugues-que-deu-dignidade-a-morte-de-soldados-nazis-9562935.html
Volksbund Deutsche Kriegsgräberfürsorge e. V.
https://www.volksbund.de