Confesso Tripeiro e entusiasta de aviação militar Portuguesa, meteu-se na minha cabeça a ideia de que haveria de escrever algo acerca dos locais do Porto que tiveram alguma relação com a aviação, o que, por não serem muitos, seria fácil de fazer, ou assim eu o pensei, já me dirão.
Afastado dos centros nevrálgicos da aviação nacional, cujo umbigo fica ali para as bandas do Terreiro o Paço, o Porto e o Norte no seu todo, historicamente, fornecem uma mole humana muito substancial e ímpar para a aviação nacional.Não sendo a região frutífera em eventos históricos de monta desde o advento da aviação nacional, com as honrosas excepções claro está, para o aeroplano “Creche do Commercio do Porto” (1912), e ainda mais a Norte, do voo do Blériot XI do Eng. João Branco e de Norberto Gonçalves (1913), pretendo com este trabalho enumerar cronologicamente os eventos ou feitos, ou apenas sucedidos, registados na cidade do Porto, alguns dos quais ainda podemos encontrar vestígios, embora na sua maioria, apenas poderemos imaginar como foram.
Neste sentido também, fica aqui um embrião de cunho pessoal, plasmado nas páginas do Pássaro de Ferro, daquilo que poderá bem ser uma espécie de percurso turístico pela Invicta, por diversos locais onde há referências à aviação. Tanta oferta há para o turista que visita o Porto, falta na cidade um percurso desta temática tão querida a todos os Pássaro-Ferrosianos, digo eu.
Rezam as crónicas, que remota ao Século XVIII o relato mais antigo da aviação em Portugal, o do voo do aeróstato do Padre Bartolomeu de Gusmão, que embora não tenha sido no Porto é, por ser o primeiro, digno da competente vénia e registo.
10 de Maio de 1795 – O italiano Vincenzo Lunardi (1759-1806), aeronauta cuja primeira ascensão em balão remonta a 1784, em Londres, fez no Porto a sua primeira ascensão nesta data, aquela que é a primeira de todas as exibições aeronáuticas registadas na Invicta. Esta ascensão realizou-se no Campo de Santo Ovídio (actual Praça da República), teve uma duração de 45 minutos e com descida em Sobreiras.
2 de Agosto de 1857 – antecedidas de diversas ascensões cativas no recinto do Tivoli Portuense, os aeronautas Eugène e Louise Poitvin efectuam uma ascensão livre. O balão desceu cerca de 25 minutos depois junto ao Monte de Lamaçais. Numa segunda ascensão, a 23 de Agosto, o balão desceu uma hora depois dos areais do Areínho.
Após este sucedido, passou a ser obrigatório, no licenceamento de demonstrações de balonismo, que o piloto-aeronauta comprovasse as suas habilitações o que, fez com que muitos fossem a Paris tirar o curso!
3 de Abril de 1904 - Inspirado nas ascensões de Émile Carton, e de Belchior Fonseca, António Costa Bernardes (conhecido por “o Ferramenta”), construiu um balão, “O Português”, que nesse dia fez a sua ascensão nos jardins do Palácio de Cristal, vindo a descer cerca de 4 horas depois, perto do Monte de Santo Izidro, em S. Cosme, Gondomar. Na verdade “o Ferramenta” tinha autorização do Governo Civil apenas para demonstrações de balão cativo, tendo acabado por fazer uma demonstração de voo livre. Por esse motivo, nunca conseguiu fazer mais ascensões no Porto, porque o Governo Civil não lho permitia.
Este balonista, em conjunto com Magalhães Costa, efectuou imensas outras ascensões em Portugal e no Brasil, ganhando grande fama, e construindo outros balões. Regressado a Portugal, compra um balão esférico à fábrica Lachambre que nomeia “Internacional”, e apresenta no Porto.
22 de Junho de 1906 – o “Ferramenta” efectua a sua 24ª ascensão, com o balão “Internacional”, a partir da Praça de Touros da Rua da Alegria, perante uma assistência de 15.000 pessoas!, descendo sem incidentes no lugar de S. Julião, freguesia de Santa Cristina do Couto, em Santo Tirso.
26 e 27 de Agosto de 1906 – tem lugar o festival aerostático na Praça de Touros da Rua da Alegria, com diversas ascensões por parte de António Costa Bernardes. Neste balão, no lugar da barquinha, foi instalado um trapézio, em que a 100 metros de elevação, uma ginasta espanhola de seu nome Mercedes, fez uma demonstração arrojada. Neste festival o balão “Internacional” fez diversas ascensões, que se prolongaram até Setembro, sendo a de 8 de Setembro inédita, pois foi a primeira ascensão nocturna no Porto e em Portugal, a 28ª de António Costa Bernardes.
16 de Setembro de 1906 – ascensão de Alfredo Figueiredo no balão “Internacional”, desde a Praça de Touros da Rua da Alegria, descendo, após várias tentativas, nos rochedos no mar, nuns rochedos a 100 metros da Praia de Lavadores.
3 de Maio de 1909 – neste ano António Costa Bernardes adquiriu um dirigível tipo Santos Dumont à fábrica Lachambre, construindo ele próprio a barquinha em alumínio e instalado o motor. Com o objectivo de voar o dirigível a partir do Porto, inicia a 3 de Maio o enchimento e ensaios do “Aeromóvel”, no Palácio de Cristal. Diversas falha foram arrastando os ensaios até Julho, quando se dá uma fuga de gás, que levou à intoxicação e morte dos auxiliares e do próprio “Ferramenta”, este em “horrorosa agonia” -- era então o mais experimentado aeronauta/balonista português, com 31 ascensões.
6 a 15 de Setembro de 1912 – diversas demonstrações de voo do aeroplano “Creche o Commercio do Porto”, tema que já abordamos no Pássaro de Ferro, daquele que foi o primeiro voo de um aeroplano na cidade do Porto, no Campo de Aviação do Castelo do Queijo.
Curioso o facto de em 1913 o aeroplano foi oferecido ao governo, sendo integrado em Junho de 1913 na Companhia de Aerosteiros. Com a criação da Escola de Aeronáutica Militar, a 14 de Maio de 1914, foi para Vila Nova da Raínha, onde serviu como aeronave de instrução, até 1917, quando foi retirado de serviço. Curiosamente foi precisamente neste aparelho, à altura baptizado com o nome de “Casta Suzana”, que Gago Coutinho recebeu o seu baptismo de voo, a 23 de Fevereiro de 1917, tendo aos comandos o seu companheiro Sacadura Cabral. É caso para dizer: e esta, heim?
6 de Outubro de 1912 – ascensão aerostática do balão “República”, pilotado por Francisco de Carvalho. Partiu do campo do Foot-Ball Club da Rua Antero de Quental, aterrando três quartos de hora depois em Santa Marinha (Gaia).
21 de Março de 1935 – data da fundação do Aero Clube do Porto, surge no seguimento da criação a 6 de Março de 1929, de um movimento associativo denominado “Núcleo do Norte do Aero Club de Portugal”, núcleo esse que ganhou mais visibilidade com a organização, no Campo de Aviação Militar de Espinho, da primeira Escola de Aviação Civil. Este núcleo promoveu entre outros, a tentativa de obter um aeródromo próprio, tendo usado um terreno improvisado na Senhora da Hora, onde chegou em 1934, aí a realizar um Festival Aéreo.
Funda-se então o Aero Club do Porto, operou os seus aviões em Pedras Rubras desde 1947, e onde se mantiveram as suas actividades aéreas, até aos anos 90 quando mudaram a sua base de operação para o Aeródromo Municipal da Maia. A sua sede primeva, na Rua de Santa Catarina, actualmente (ab2023) situa-se na Rua da Bainharia, e as suas operações aéreas baseadas no Aeródromo de Vilar de Luz.
São inúmeros os trabalhos desta colectividade, que nos primeiros anos de vida corporizou um movimento denominado “Pró-Aviação Portuguesa”, destacando-se na organização de competições desportivas em diversos locais do país, diversos trabalhos de “aviação em miniatura” como meio de propaganda da Aviação, como actividade de iniciação à aeronáutica. Contando com o apoio do Secretariado da Aeronáutica Civil, constituiu a primeira Escola de Aeromodelismo do Porto.
Passando por alguns altos e baixo na sua história, a sede ainda é no mesmo local, e a sua actividade aérea tem lugar na pista da Seroa, na Trofa.
O cemitério é visitável, nos dias de serviço religioso (domingos), sendo que nos dias 11 de Novembro, data do Armísticio da 1ª Grande Guerra, se realizam as cerimónias alusivas ao Remembrance Day (a cerimónia nem sempre coincide com o dia).
29 de Maio de 1942 – acidenta-se junto à praia de Vila Chã, a Sul de Vila do Conde, um Vickers Wellington IC, da Royal Air Force, em voo de ferry, entre Portreath e o Egipto, via Gibraltar. Dois dos tripulantes perderam a vida, encontram-se também sepultados no Porto.
6 de Março de 1944 – acidenta-se um Lockheed Hudson IIIA, do Esquadrão 269 da Royal Air Force, perto de Mira. Três tripulantes perderam a vida e um salvou-se.
Nada disto se passou no Porto, apenas se regista aqui este local de memória. O que se passou sim no Porto, foram duas amaragens e uma aterragem forçadas,
5 de Março de 1943 - amarou de emergência, frente à Foz do Douro, um Short Sunderland Mk.III, vindo de Pembroke com destino a Gibraltar. O avião foi afundado e a tripulação e passageiros todos salvos, tendo chegado à costa em botes salva-vidas.
29 de Maio de 1943 - um Bristol Blenheim V (EH459) da Royal Air Force, que tinha sofrido vários bird strikes na costa portuguesa, levaram a tripulação a ter de amarar de emergência, em local indeterminado frente à costa do Porto. Foram resgatados por um navio da Royal Navy.
2 de Maio de 1945 - aterrou em Pedras Rubras um Junkers Ju88 G7A, da Luftwaffe, cuja tripulação tentava fugir da Alemanha. O aparelho foi transferido para o Campo de Aviação de Espinho, da Arma de Aeronáutica do Exército, tendo sido depois desmantelado. (Mais um caso de perda de património aeronáutico…)
17 de Março de 1963 – uma referência que encontrei no Guia de Portugal, da Calouste de Gulbenkian, levou-me a uma busca nos jornais da época e encontrei um registo daquele que foi o primeiro salvamento com recurso a helicóptero no Porto. 27 tripulantes do navio mercante “Silver Valley”, que naufragou no Cabedelo foram salvos por aviadores franceses, pilotos instructores que se encontravam a ministrar formação em Alverca à Força Aérea Portuguesa.
1970 (década) - uma difusa memória pessoal, traiçoeira portanto, referente á década de 70, possivelmente na sua segunda metade (pós 25 de Abril de 1974), altura em que foram activados em diversos locais, helipistas possivelmente improvisadas, para na época balnear assistir o Instituto de Socorros a Náufragos. Tenho presente essa memória de ter visto várias vezes, junto à estação de socorros a náufragos dos Bombeiros Voluntários Portuenses, ao Passeio Alegre, num pedaço mais largo do molhe em frente, um SE.3160 Alouette III, equipado com “pantufas”, o que o permitia aterrar na água e na areia com relativa facilidade.
26 de Março de 1977 – incontornável referência à minha querida Associação de Especialistas da Força Aérea, constituída em V.N.Gaia nesta data. Nasceu nesse mesmo ano na Praia da Aguda, e com sede social e histórica em Gaia, desde os anos 80 possui a sua Sede Nacional no Porto, em espaço cedido pela Força Aérea Portuguesa, onde se localiza o seu Centro de Recrutamento sito à Pr. Dr. Francisco de Sá Carneiro 219 1ºDto.. Trata-se de uma associação de cariz social e cultural, de antigos e actuais Especialistas da FAP.
1977 – No Palácio de Cristal, então Pavilhão dos Desportos, realizou a Força Aérea Portuguesa, as comemorações do seu 15º aniversário, sendo este o espaço para a sua exposição de divulgação das suas actividades. Neste ano destaca-se a exibição, peça central da exposição, a réplica do Maurice Farman MF4, semelhante ao aeroplano “Creche do Commércio do Porto”.
Maio de 2023 – as comemorações do Dia da Marinha tem lugar no Porto, tendo como ponto alto a cerimónia militar e a exibição de meios navais e aéreos desta arma. Nomeadamente com demonstrações de capacidades do seu braço aéreo, que executou no anfiteatro provisionado pelo Rio Douro, diversas demonstrações de capacidades de voo com os então renovados Westland Super Lynx Mk.95A. A última vez que a Marinha nos tinha brindado com exibições do Lynx foi na edição do Red Bull Air Race de 2008.
Actualmente as helipistas civis existentes são maioritáriamente de utilização por meios de emergência médica, nomeadamente as do Hospital de S. João e Santo António.
Ainda que a de Santo António esteja inactiva e com outras utilizações, a do S. João está a ser renovada (ab2023).
Texto e fotografias: Rui "A-7" Ferreira
Tripeiro e Entusiasta de Aviação
Paulo Soares; Francisco Piqueiro, Pedro Ferreira; Prof. Hélder Pacheco, Carmo Ferreira, Paulo Bandeira, Orlando Tato, Prof. Joel Cleto,
O edifício é também ele digno de referência pelas suas origens, Sec. XIX, para habitação, sendo muito mais tarde sede da PIDE/DGS no Porto, estando na posse do Estado desde os finais dos anos 40.
O Museu do Núcleo do Norte da Liga dos Combatentes, localizado na Rua Formosa, merece a nossa visita e atenção. O Núcleo Norte da Liga dos Combatentes, fundado em 26 de Fevereiro de 1925, está instalado no Palácio do Visconde de Pereira Machado construído em meados do século XIX, de onde se destaca, entre outros, a escadaria interior, um dos belíssimos exemplos dos palacetes da cidade, de surpreendentes estuques e pinturas (das salas que visitei), sendo que é nelas que está instalada a coleção do museu. Possui nele uma colecção de artefactos militares que abrange ambas as guerras mundiais sendo que no entanto ali podemos encontrar objectos de outros tempos, desde Aljubarrota à Guerra Colonial.
Visitável apenas nos dias úteis, por razões que ultrapassam as capacidades de discernimento do autor, não é permitido o registo de imagem no espaço do museu, algo que me entristece como fotografo, tripeiro e aerotranstornado. Porém fica o registo em vídeo, de há uns anos atrás, por parte do Carissimo Joel Cleto, num dos seus muitos e incontornáveis programas televisivos.
Bibliografia/ Fontes
Portugal na Aventura de Voar, de Lourenço Henrique Henriques-Mateus ©2009
Apontamentos para a história … o aeroplano «Creche O Comércio do Porto» (M1997 - 57/2018) - http://www.passarodeferro.com/2018/09/apontamentos-para-historia-o-aeroplano.html
O Eng. João Branco e o voo do Blériot, - http://portadembarque04.blogspot.com/2014/05/o-eng-joao-banco-e-o-voo-do-bleriot.html
Balonismo - http://portoarc.blogspot.com/search/label/Balonismo
Antecedentes da Busca e Salvamento com helicópteros; A barra do Douro - o 1º salvamento http://walkarounds-ccadf.blogspot.com/2014/05/antecedentes-da-busca-e-salvamento-com.html
http://portoarc.blogspot.com/2014/01/divertimentos-dos-portuenses-xxxviii.html
https://aecporto.com/clube/historia.html
https://portocanal.sapo.pt/um_video/x8j31ct
https://portocanal.sapo.pt/um_video/yowKSPww0qTIv530QATs
http://portodeantanho.blogspot.com/search/label/aer%C3%B3dromo%20da%20Senhora%20da%20Hora
http://portodeantanho.blogspot.com/search/label/aer%C3%B3dromo%20de%20Oliveira%20Monteiro
http://portodeantanho.blogspot.com/search/label/aer%C3%B3dromo%20do%20Castelo%20do%20Queijo
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/visita-de-sua-santidade-o-papa-joao-paulo-ii-a-portugal/
Parabéns e obrigado
ResponderEliminarExcelente artigo.
ResponderEliminarUm abraço Rui,
João Carlos Silva
A placa colocada em 1959 nos jardins do palácio de cristal não foi colocada pelo Aero Club do Porto mas sim pelo Aero Club de Portugal aquando do seu cinquentenário.
ResponderEliminarCaros Anónimos em geral e carapaus de corrida em especial.
ResponderEliminarAgradeço todos os comentários reparos e achegas, bem como puxões de orelhas. Ajudam-me a melhorar. Mas o anonimato é algo que me mexe um bocadinho com a caixa dos pirulitos...
O meu nome é Rui Ferreira e o meu e-mail: a7pcorsair@yahoo.com
Obrigado a todos
Caríssimo Anónimo,
ResponderEliminarMuito obrigado pelas palavras.
Este tipo de artigos que tenho feito são, de algum modo, moldavéis, facilmente se corrigem erro e se acrescentam assuntos.
O Red Bull Air Race não foi abordado pois ainda me faltam limar algumas arestas, não está esquecido.
Como outros trabalhos que a Gerência do Pássaro de Ferro me tem permitido publicar, há sempre coisas a a acrescentar, o que é bom, acho.
Assinado: Rui Ferreira
a7pcorsair@yahoo.com