“Fish Hook”, Cambodja, 1970 (Episódio 4)
“Às vezes voávamos com as meninas da Cruz Vermelha, que apelidávamos de “Donut Dollies”, nas visitas às tropas no terreno. É preciso compreender que raramente víamos mulheres com “olhos redondos”. Com sorte, ao levar o CO ao hospital, conseguíamos olhar de relance para uma enfermeira, por isso, estas visitas das “Donut Dollies” tinham grande impacto no moral dos homens. Quando nos chamavam para ir buscá-las, uma sentava-se na frente, junto com o piloto e a outra ia atrás. Nestas ocasiões especiais era nossa tradição aterrar de frente à entrada nas bases avançadas. A rapariga ao lado do piloto (usavam sempre saias curtas) tinha de levantar a perna por cima da alavanca do cíclico para sair do “Loach”, e os soldados na base adoravam apreciar a…vista. Isto funcionava com as miúdas novas, mas as mais experientes, e que já conheciam as nossas manhas, pediam-nos para colocar o helicóptero de lado. Numa ocasião fui incumbido de transportar uma miúda para uma base na linha da frente. Era muito bonita e foi um prazer vê-la ajustar-se no assento e a apertar o cinto. Quando estávamos prontos para arrancar ela pergunta-me se eu a deixava pilotar. “Claro” disse eu, “assim que estivermos no ar”. Mas ela responde que consegue descolar e eu pensei, “sim claro, deves conseguir, deves”. Disse-lhe que lhe entregava os controlos mas ia estar atento a tudo o que fazia. Claro que eu pensava que ela não sabia o que estava a pedir e enquanto pensava no meu discurso condescendente de que “descolar um helicóptero é mais difícil do que parece” e… já estávamos no ar! Ela descolou! Suave, transição para voo, uso acertado dos pedais, tudo impecável. Pilotou o caminho todo até á base e fez a aproximação para aterrar onde eu assumi os controlos e aterrei o “Loach” – provavelmente ela conseguiria aterrar também. Ela disse-me que pilotava sempre que tinha oportunidade e os pilotos eram muito prestativos - ou ela aprendia muito rápido ou os instrutores davam-lhe toda a atenção. Sempre me perguntei se ela teria seguido carreira na aviação. Jeito não lhe faltava.”
Não perguntem. |
Kurt Schatz, piloto de “Loach” da “1st Cavalry”, conta um episódio assustador ocorrido durante uma incursão no Cambodja que o próprio gosta de intitular de “Menino Perdido”;
“Encontrámos montes de acção a Oeste do famoso “Fish Hook” – comboios de camiões do exército Norte Vietnamita carregados de tropas. Os nossos “Cobras” (Bell AH-1 Hueycobra) faziam fila para mergulhar e metralhar as colunas inimigas. Faziam-me lembrar os filmes da 2ª Guerra Mundial, com os P-51 Mustang a atacar as tropas nazis. No regresso à base encontrámos o maior inimigo do helicóptero: uma parede sólida de nuvens no horizonte, a tapar todas as saídas do Cambodja. Não tinha muitas alternativas, estava a escurecer e o combustível a escassear. Voávamos a 600 metros de altitude e sabíamos que aquela tempestade iria engolir-nos a qualquer momento. O líder do grupo, a bordo de um “Cobra”, ordenou pelo rádio;
“Vamos descer. Vamos passar por debaixo das nuvens e voltar para casa.”
Ainda estávamos bem dentro do Cambodja quando penetrámos na tempestade. O “Cobra” ia na frente, mas era difícil acompanhá-lo e perdemo-lo rapidamente de vista nas nuvens. Desesperado, pedi por ajuda;
“Não te consigo ver! Perdi-te de vista!”
Mas a resposta do “Cobra” deixou-me branco como a cal;…
“Desculpa rapaz, mas estás por tua conta. Vamos para IFR (voo por instrumentos) e ganhar altitude.”
“Estava fo… lixado. A chuva era tanta que os rádios deixaram de funcionar, um por um. Como é que vou para casa agora? A última transmissão que ouvi do “Cobra” foi; “Dirigi-te para Leste…”, e o rádio pifou de vez. Pairei por cima de umas árvores para tentar perceber a minha situação mas a chuva intensificava cada vez mais. A única forma de ver qualquer coisa era por esticar a cabeça para fora da cabina mas a escuridão era total. Não tinha escolha. Liguei as luzes para iluminar a selva abaixo. Assim, continuei lentamente para Leste, logo acima da cobertura das árvores. A dada altura, ao lado do meu patim direito vi uma estrada de terra. Pelo menos era um caminho que podia seguir. E lá fomos, lentamente acima da estrada, com as luzes acesas, á vista de todos os inimigos nas redondezas! Ao longe, na estrada, vimos uma luz fraca por entre a chuva forte. Desliguei as minhas luzes de imediato e discuti com a minha tripulação o que fazer. “Rapazes, temos de decidir. Aquela luz ou é o inimigo ou as nossas tropas. Eu não faço ideia, se calhar ainda estamos no Cambodja. Temos duas hipóteses; voltamos para trás nesta estrada e ficamos sem combustível ou descobrimos que luz é aquela.
Eles já podiam ter disparado, por isso eu acreditava que não deveria ser o inimigo. Concordámos em descobrir a fonte da luz. Aterrei o “Loach” na estrada e saquei do meu revolver .38. O observador saiu com o lançador de granadas M79 e o artilheiro saltou com a M60 e várias fitas de munição por cima dos ombros e desapareceu na escuridão em direcção à misteriosa luz. Depois do que pareceu ser uma eternidade, o artilheiro finalmente regressou e com o maior sorriso que já vi na vida.
“Sir, é a nossa malta! É uma base de artilharia.”
Graças a Deus, o menino perdido encontrou o caminho para casa.”