O “Contracto do Século”, 1974-1975 (Episódio 2)
Ninguém sabe bem a origem deste título. Uns dizem ser uma analogia a um programa americano de TV com o mesmo nome, outros que se inspira num artigo do jornal Le Monde, intitulado “La Marche du Siècle”. De qualquer maneira, o título era bem empregue porque referia-se ao enorme concurso para substituir uma inteira geração de aviões de combate ao serviço de quatro importantes Forças Aéreas da NATO na Europa. Os governos da Bélgica, Holanda, Noruega e Dinamarca chegaram á conclusão que tinham um problema em comum; a obsolescência dos seus aviões de caça e ataque. E, indo “às compras” em conjunto, teriam muito maior poder de negociação – não só em relação ao preço e condições de compra mas também quanto ás importantes contrapartidas industriais. Mas, como é óbvio e natural, um negócio deste calibre iria atrair grandes pressões, comerciais e políticas. Os Holandeses, por exemplo, tinham sido parceiros originais no programa MRCA (que daria origem ao Panavia Tornado) enquanto a Bélgica partilhava fortes laços com a Francesa Dassault; não só pelo uso dos Mirage 5 como pelo facto do famoso construtor Francês ser accionista da Belga SABCA.
O YF-16 em todo o seu esplendor. A ideia por detrás do conceito do projecto LWF/ACF era clara; leveza, simplicidade técnica e máxima eficácia em combate aéreo próximo. Pierre Sprey, um dos “pais” do LWF dizia sem contemplações; “com metade do peso e do custo, vai bater o F-15. Não é necessária tanta tralha num caça”.
No Verão de 1974 estas quatro nações formaram o MPFG (Multinational Fighter Program Group) e deslocaram-se á capital dos EUA para discutir opções. Os Americanos sabiam que propor o F-4 Phantom estava fora de questão – era demasiado caro e não era bem o que os Europeus queriam. O Northrop F-5E podia ser uma proposta interessante (a Noruega já usava o F-5A anterior) mas faltava algo mais moderno e apelativo e que projectasse a tecnologia para as necessidades dos combates futuros. Os números envolvidos neste potencial contracto não eram despicientes; no mínimo 350 unidades e com fortes hipóteses de mais encomendas – um negócio suculento para qualquer construtor aeronáutico! Rapidamente se perfilaram os concorrentes; do lado dos Americanos seriam os dois pretendentes do projecto LWF/ACF (F-16 e F-17) enquanto que pela Europa alinharam o Mirage F1, o Eurofighter (não, não é o Typhoon, mas sim uma versão do Viggen apresentada pela Saab) e o Franco-Inglês Jaguar. Este último cedo ficou fora da corrida – as características de avião de ataque puro não combinavam com as exigências de um caça moderno multifunção.
O “Eurofighter” (Saab Viggen) podia ser um candidato sério; dispunha de muitas características adequadas ao cenário Europeu mas a tecnologia do avião era, na realidade, dos anos 60 e também faltava “traquejo” comercial e politico aos representantes Suecos.
Nos meses seguintes, muitos contactos, reuniões, visitas, demonstrações, avaliações, jantares e – segundo as más línguas – vários “entretenimentos” opulentos e alguns truques baixos, ocorreram entre os representantes do MPFG e os vários pretendentes ao valioso contracto. Os Franceses, em particular, eram especialmente criativos a empolar e sobrevalorizar os pontos fortes do seu Mirage e a “deitar abaixo” a concorrência. Mas era impossível ignorar o facto de que o YF-16 e YF-17 representavam tecnologia mais moderna quando comparados com todos os opositores. A Northrop, com o seu conhecimento do mercado Europeu, já dispunha de agentes no terreno enquanto que a General Dynamics era mais inexperiente nesse domínio – só abriu um escritório em Bruxelas em 1974. As implicações financeiras de comprar um avião “estrangeiro” também incomodavam os Americanos mais conservadores porque, caso o YF-16 ou YF-17 fosse o escolhido, as empresas Europeias iriam construir peças para os aviões destinados para a USAF. Claro que os políticos também se envolveram no assunto, o Primeiro-Ministro Francês Jacques Chirac afirmou que a escolha do produto da Dassault (naturalmente) seria uma forma de cimentar uma verdadeira “União Europeia”…
O Mirage F1 era outro projecto dos anos 60 mas vinha de uma linhagem de caças com um pedigree insuspeito. Rápido, potente e polivalente, o representante da Dassault era o concorrente mais perigoso do F-16. Além do mais, os Franceses eram muito fortes e competitivos nas vendas e usavam todas as armas para ganhar contractos – desde a promessa de enormes contrapartidas financeiras a subornos e/ou pressões políticas sobre os decisores.
Bom, mas todos sabemos o desfecho final desta epopeia. Em Janeiro de 1975 a USAF declarou o YF-16 como o vencedor do projecto ACF e em Junho as quatro nações da NATO escolheram também o “caça eléctrico” da General Dynamics. Para os Franceses a afronta dificilmente poderia ter sido pior – o anúncio da vitória do F-16 foi feito durante o Show Aéreo… de Paris! Depois de uma exibição do Mirage F-1E o piloto de testes Neil Anderson da GD deslumbrou os presentes com uma magnífica demonstração das capacidades do F-16. Quando aterrou, o lendário Marcel Dassault foi ao seu encontro e disse-lhe;
“Tens aí um belo avião.”
Um elogio mais honroso do que este é difícil de conceber, considerando até que o ambiente no stand de vendas da Dassault era particularmente gélido…
Mas fica o desafio; como poderia a historia ser diferente se o vencedor do “Contrato do Século” fosse outro? Se o Mirage F1 fosse o vencedor, ficaria a Dassault numa posição de supremacia na Europa? E se a Saab tivesse ganho com o seu “Eurofighter Viggen”?...
Foto clássica do quarteto internacional a posar com o justo vencedor do “Contrato do Século”. Belgas, Noruegueses, Dinamarqueses e Holandeses escolheram o F-16 e nunca mais olharam para trás. Mas como seria a história hoje se a escolha tivesse sido outra?
Nota: O autor não escreve segundo as regras do actual acordo ortográfico.