segunda-feira, 8 de julho de 2024

General Dynamics F-16 Fighting Falcon, o “Caça Eléctrico” (Episódio 3) - [M2514 - 58/2024]

 Manutenção do Fighting Falcon (Episódio 3)

Quem são realmente os “donos” dos aviões de combate?  Os pilotos?  È uma ideia popular.  Afinal, são eles que voam aos seus comandos, costumam dizer “o meu avião” e fazem questão de colocar o nome e/ou insígnias perto do cockpit.  Outros dirão que os verdadeiros proprietários são a Força Aérea ou o Grupo/Esquadrilha a que a aeronave está atribuída.  Também faz sentido.  Mas ainda há quem diga, de forma mais desapaixonada, que os aviões pertencem ao Estado e, em última análise, aos contribuintes.  Talvez.  Mas para um grupo muito especial de profissionais, nenhuma das hipóteses acima está correcta.  Os aviões são dos mecânicos!  São eles que demonstram o maior sentido de posse, conhecem cada parafuso e caixa negra do aparelho, dedicam intermináveis horas a preparar, reparar e afinar os milhares de sistemas individuais e tem o maior orgulho em manter o “seu” avião nas melhores condições mecânicas (e de limpeza!) possíveis.  Há quem diga que é (quase) uma relação amorosa.  Os pilotos apenas pegam no avião durante uma hora ou duas e devolvem-no assim que aterram – e frequentemente conseguem avariar uma série de coisas nesse intervalo.  Pilotos…  Sabem quantos pilotos são necessários para trocar uma lâmpada?  Só um…ele segura a lâmpada e o planeta gira á volta dele…           

O contraste entre as linhas rectas, brutas e angulosas do Phantom e as linhas fluidas, suaves e elegantes do F-16 não podia ser maior.  Separados por um enorme fosso tecnológico mas unidos pelo mesmo sucesso comercial e pelo currículo intocável em combate.

   

O Sargento William Eckberg, mecânico da USAF, recorda a transição do seu amado F-4D Phantom para o F-16 em meados dos anos 70;

“Alistei-me na USAF no longínquo ano de 1974 e segui a carreira de mecânico de turbinas 43131C.  Depois da Escola Técnica na base de Sheppard, Texas, fui destacado para a base de Hill, no Utah, para a 388th TFW (Tactical Fighter Wing).  O meu primeiro avião foi um F-4D, número 650712 - era o meu orgulho e a minha alegria.  Recebi muitos elogios pela limpeza exímia e elevado estado de operação do avião.  Fiz o maior numero possível de cursos, queria aprender tudo sobre o F-4D, por dentro e por fora.  O meu avião acumulou o maior numero de horas operacionais de voo de todo o esquadrão.  Tanto que comecei a ganhar fama de ser um excelente mecânico, um verdadeiro “sabe-tudo” e, naturalmente, fui designado como instrutor.  Era fantástico trabalhar no F-4.  O avião tinha muitas alcunhas; javali, porco, trenó de chumbo…  Dizia-se que o F-4 era prova de que, com potência suficiente, até um tijolo consegue voar.  Mas tudo era dito com muita afeição, o avião era robusto mas trabalhoso de manter.  Para cada hora e meia de voo tínhamos de “arranhar” oito horas para o colocar de novo em condições.  Mas era fiável, apesar de dar muito trabalho, e identificar os problemas e arranjar soluções era um desafio que eu gostava particularmente.  Mas ainda falta falar dos “problemas a sério”, aquilo que nós mecânicos chamamos de “borradas induzidas pelo piloto” – asneiras que os pilotos nunca admitiam serem responsáveis…  A melhor parte era quando os pilotos perdiam alguma coisa no cockpit.  Tudo dependia de quem encontrava primeiro o objecto, se o piloto desse conta do esquecimento e regressasse a tempo de o recuperar ou se fossemos nós, mecânicos, a encontrar a prova do crime.   A “penalização” geralmente envolvia pagar uma rodada de cerveja (casos menos graves) ou uma caixa inteira.  O pior cenário era quando um piloto não encontrava algo e éramos obrigados a reter o avião no hangar.  Muitas noites foram perdidas a retirar assentos ejectáveis e caixas negras á procura de uma caneta ou isqueiro.  Não, esperem!  Pior ainda era quando, depois de desmancharmos o cockpit todo, o piloto surgia, envergonhado, com o dito objecto na mão – afinal, estava dentro do capacete.  Bom, nestes casos, o “culpado” tinha de nos ajudar a montar as peças todas no lugar – e pagar umas caixas de cerveja á malta.”     

Os mecânicos não poupam esforços na manutenção dos “seus” aviões.  Em algumas situações uma boa agilidade física e leveza de movimentos são essenciais para chegar a locais de difícil acesso!


“Lembro-me bem do dia em Novembro de 1978 quando pediram voluntários para o F-16; pois é, foi o que eu fiz.  A USAF tinha escolhido a 388th como primeira unidade operacional e o entusiasmo e antecipação pelo novo avião era palpável.  Ninguém falava de outra coisa.  O primeiro F-16 chegou em Fevereiro de 1979 desde Edwards, fez uma demonstração sobre a nossa base, passeou a baixa altitude e aterrou em grande estilo.  Aí estava a máquina; número de série 78001 e um belo avião de qualquer ângulo.  Mas agora vamos investigar porque nunca se deve voluntariar para nada no serviço militar – costuma ser uma má decisão!  No início o F-16 dava imensos problemas, demorou meses a eliminar avarias e falhas de sistemas – era raro conseguir extrair missões completas dos aviões.  Até pensei em voltar para o velho F-4 Phantom mas disseram-me que era impossível; “Lembra-te que te ofereceste para isto, William!”

Excelente visão do compartimento do motor.  De notar que toda a parte inferior da fuselagem traseira é removível para facilitar a remoção da turbina turbofan F-100.  As placas de cor escura são o revestimento de titânio para isolar o calor e logo a seguir, na zona central, de cada lado, é possível ver os encaixes para o motor.  A calha superior serve apenas para orientar e alinhar a turbina correctamente – não suporta praticamente nenhum peso.  Em baixo vemos vários componentes como as bombas do sistema hidráulico e o gerador principal.

“Mas então, o que correu mal?  Bem, o F-16 tinha falhas constantes no motor e a cablagem eléctrica era um autêntico pesadelo – estes eram os problemas principais.  Depois, um caso irritante e persistente com a porta do receptáculo de reabastecimento em voo.  A General Dynamics não colocou um indicador no cockpit para informar o piloto se a porta estava aberta ou fechada.  Perdemos um avião por causa disto - uma coisa tão simples.  Um belo dia um piloto Belga, numa missão de treino num modelo “A”, reabasteceu de um C-135 para completar a sua qualificação.  Passados 30 minutos após encher os tanques, o piloto informou por rádio que já tinha atingido “bingo fuel” (apesar de, supostamente, ainda ter os tanques das asas completamente cheios).  Acontece que, se a porta IFR ficar aberta, não é possível transferir combustível das asas para o motor e não existia nenhum procedimento de emergência na checklist que sequer mencionasse tal hipótese.  Pois é.  Assim que o piloto se alinhou para aterrar na base em Hill, o motor parou.  Sem outra solução, o piloto ejectou e o relutante F-16, talvez admirado por o piloto o abandonar, acabou por aterrar suavemente numa zona pantanosa sem partir quase nada.  Mais tarde trouxemos o avião para a oficina e, depois de uma limpeza e uns arranjos, ainda voou durante mais uns meses.  Para resolver este caso adicionamos um kit eléctrico em toda a frota com um interruptor na porta IFR e um avisador luminoso no cockpit; mais um problema resolvido mas, mesmo assim, o que eu queria mesmo era voltar para o meu querido F-4 Phantom!”

A porta e o receptáculo do sistema de reabastecimento em voo.  Conforme relata o texto, esta porta criou alguns problemas na introdução ao serviço do F-16 na base de Hill, no Utah.


Nota: O autor não escreve segundo as regras do atual acordo ortográfico.

Episódio 1

Episódio 2

Texto e seleção de imagens: Icterio
Edição: Pássaro de Ferro


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