RAF Valley proporciona espaço aéreo relativamente desimpedido, fácil acesso a zonas marítimas e vários locais para treinar o voo a baixa altitude.
RAF Valley, Anglesey, País de Gales, Outono de 1973 (Episódio 2)
“Após voar no Folland Gnat durante 3 meses transitei para o Hawker Hunter durante o Outono. Nessa altura tínhamos no esquadrão 20 aviões e 12 instrutores. Apesar de ter, em termos gerais, o mesmo desempenho que o Gnat, o Hunter era 50% maior e pesava o dobro, por volta de 9500kg. O Gnat tinha sido desenhado como avião de treino avançado com (para o seu tempo) instrumentação moderna. Tinha um sistema de controlo complexo, não perdoava erros e o instrutor, no assento traseiro, não tinha praticamente nenhuma visibilidade. O Hunter, por outro lado, era um avião muito mais dócil e honesto de pilotar. Em Valley dispúnhamos de cerca de doze T.7 (bilugar) e oito F.6. O Hunter era a plataforma ideal para treinar pilotos estrangeiros; a configuração “lado-a-lado” dos assentos era ideal para lidar com dificuldades de comunicação e, além disso, muitas Forças Aéreas operavam-no como avião de primeira linha. Um grande número de pilotos da RAF também treinava no Hunter, eventualmente chegaram a representar 40% das horas de voo do nosso esquadrão.”
“Circulava uma história, provavelmente apócrifa, sobre um instrutor veterano (e já com pouca paciência). Supostamente, um dia, um dos seus alunos fez uma aproximação para aterrar completamente falhada. Na sua inocência o aluno sugeriu;
- Se calhar é melhor dar a volta e tentar de novo, sir?
Do alto de toda a sua diplomacia, o instrutor respondeu;
- Não, que se fo**! Vai em frente e espeta com o avião!
Bem, num dos meus primeiros voos de instrução no Hunter aconteceu-me algo similar. O meu aluno fez-se á pista completamente torto, desnivelado e com demasiada velocidade. Ele virou-se para mim e perguntou;
- Dou a volta, sir?
Simplesmente não resisti... Ele ficou silencioso durante um minuto e quando olhei de lado para a cara dele notei que ainda estava chateado. Tentei encorajá-lo durante o resto do voo e até pedi-lhe desculpa directamente. Continuamos a voar juntos mas a nossa relação manteve-se sempre tensa.”
O Hawker Hunter T.7 é relembrado como um verdadeiro deleite de pilotagem – algumas más línguas até dirão que era um pouco dócil “demais” para ser um eficaz instrumento de treino. O esquema de cor em branco e vermelho era especialmente atraente.
“Quando se aproximou a época dos shows aéreos e acrobacias de 1974 foram pedidos “voluntários” para representar a nossa base, RAF Valley. Quatro pilotos dos Gnat chagaram-se á frente e, para o Hunter, foram nomeados o Tenente Ron Pattinson e… eu. O Ron já tinha experiência nestas andanças – aliás, já tinha liderado uma equipa acrobática nos Jet Provost. Para mim seria a primeira vez neste “mundo acrobático” mas pensei que não deveria ser muito complicado. Depois de pensar numa sequência de manobras, que durariam entre 5 a 6 minutos, o próximo passo foi demonstrá-las com o Comandante do Esquadrão sentado ao meu lado. O meu “número” começava com uma entrada ultra-baixa a alta velocidade, a cerca de 1100km/h, coisa que o Gnat não conseguia fazer. A esta velocidade o Hunter era silencioso para os espectadores no solo até ao preciso momento que surgia sobre as suas cabeças, e a seguir, claro, fazia um terrível estrondo. Depois executava uma manobra externa; começava invertido e empurrava o nariz para cima num ângulo de 60º até atingir 900 metros, nivelava, e a seguir mergulhava na direcção oposta – uma espécie de “oito” horizontal. Depois dos treinos foi-me dito que o Ron seria provavelmente o escolhido, as manobras dele eram mais suaves e encadeadas enquanto as minhas eram um pouco… brutais. De facto, no final dos treinos, os meus olhos ficavam completamente vermelhos e o médico da base avisou-me sobre os efeitos dos intensos “G”s negativos;
- Olha, sabes que deves ter um número similar de vasos sanguíneos arrebentados nessa coisa aí em cima que tu chamas de cérebro?…
Se calhar até foi pelo melhor o Ron ter sido escolhido para representar o Hunter nas acrobacias.”
Belíssima foto de uma linha perfeita de Hunters T.7 e F.6 em Valley (curiosamente, o T.7 da foto anterior (nº 84 no nariz) é o quarto avião a contar de cima) a serem preparados para mais uma jornada de instrução.
“Outro episódio “excitante” ocorreu quando, uma vez, pedi a um aluno que me mostrasse as suas habilidades acrobáticas. Ele disse que ia começar com uma rotação vertical. Assim, a cerca de 3000m acelerou e puxou o Hunter numa subida pronunciada e com uso adequado do aileron fez uma elegante rotação (roll). Tudo porreiro. Quando chegamos ao topo da manobra ele anunciou que ia repetir o mesmo movimento mas no sentido descendente – talvez por uma questão de simetria, digo eu. Claro que a descer o avião ganha velocidade de forma alarmante e, se fosse eu a fazer a manobra, cortava de imediato a potência e accionava o travão aerodinâmico mas o rapazola ao meu lado simplesmente mergulhou com o acelerador totalmente aberto e com o indicador de velocidade a rodar furiosamente. Só então começou a executar a sua rotação com toda a calma. Em poucos segundos estávamos a mergulhar na vertical a mais de 900km/h e a perder altitude ao mesmo ritmo – ainda com a potência no máximo. Ele estava determinado em fazer a rotação e cheguei á conclusão que, se eu nada fizesse, íamos deixar uma cratera nova algures nos campos do País de Gales. Disse-lhe bruscamente que ia assumir o controlo, parei a rotação, cortei o motor, accionei o travão e saí do mergulho com toda a força. Durante uns instantes o Hunter estrebuchou e pensei que “já ia tarde” mas o travão começou a morder e consegui nivelar por volta dos 300 metros de altitude. Foi por pouco. Fiquei surpreendido pela falta de percepção deste aluno, era a primeira vez que voávamos juntos, e quando falamos sobre o que aconteceu explicou que só tinha experiência em helicópteros. Disse-me também que nunca tinha feito aquela manobra “a descer” mas assumiu que seria igual á manobra no sentido ascendente… Hummmm….
Claro que nem todos os alunos estavam decididos em espalhar restos de aviões pelas belas paisagens Galesas e, em meados de 1974, eu estava bem acomodado, e a gostar bastante, do meu trabalho como instrutor. Mas, passados uns meses, fui convidado para comandar a secção de navegação e depois de me certificar como PNI (Pilot Nav Instructor) comecei a treinar alunos em navegação a baixa altitude – mas isso é história para outro dia…”
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